Sobre amigos e eternidade

Na leveza e profundidade que permeiam a sua poesia, Mário Quintana descreve a amizade como “uma espécie de amor que nunca morre”. Obviamente, não se trata de uma concepção muito adequada à contemporaneidade, em que redes sociais da internet consideram amigos sinônimos de contatos.

Esse amor que nunca morre, mencionado por Quintana, é fruto de um aprofundamento nas relações que requer tempo, energia e doação. É uma construção que, na verdade, nunca acaba, embora haja o pressuposto de um alicerce forte. As amizades precisam, sim, ser reconstruídas, atualizadas, revisitadas para que não sejam rotuladas como “amizades de infância”, “de adolescência”... Elas precisam sobreviver ao tempo e à distância e ter sempre um pé no futuro.

Quem quiser um ótimo mote para refletir ou debater sobre o assunto, eu recomendo a minissérie “Queridos Amigos”, de Maria Adelaide Amaral, exibida em 2008 na Rede Globo e disponível em DVD. A história, que se passa em 1989, tem como protagonista Léo (interpretado por Dan Stulbach), que tenta desesperadamente reunir seus verdadeiros amigos, aqueles a quem chamou de a família que escolheu ter na juventude.

Afastados pelas escolhas pessoais e profissionais ao longo do tempo, eles são chamados a se reunir uma década depois do último encontro, todos agora beirando os 40 anos. Saudade, estranheza, ternura, mágoa, paixão congelada são apenas alguns dos sentimentos que vêm à tona no reencontro armado por Léo, agora tomado pela angústia de ver escorrer pelas mãos a própria vida.

Saindo da ficção, houve um tempo em que a separação dos meus amigos mais próximos (que costumo chamar de “amiguirmãos”) me trouxe muita dor e chegou a me deixar confuso sobre qual rumo seguir. É que os vi ficar nos lugares que deixei ou ganhar a estrada para outros cantos. Antes, no auge de nossas amizades, no fim da adolescência e início da vida adulta, acreditávamos ser possível encontrar um lugar onde nos coubesse a todos; onde pudéssemos, cada um na sua, realizar nossas potencialidades e até canalizá-las para projetos comuns.

Por pura ingenuidade ou talvez só para mantermos acesa a chama da esperança, achávamos que poderíamos, de alguma forma, escolher e controlar os nossos destinos. Mas não pudemos. O tempo, a distância e as escolhas de cada um teceram tramas que culminaram no mesmo destino das personagens de “Queridos Amigos”.

Apesar de tudo e mesmo fadados a encontros raros e contatos virtuais, algo belo e já tão escasso ainda resiste em muitos de nós. Sabemos que nenhum tipo de solidão é capaz de nos fazer perder a fé no melhor da vida, nas virtudes mais sublimes que o ser humano é capaz de erguer. É como tão bem descreve Rubem Alves: “a experiência da amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre”.