Nem Super Sincero nem Gina Indelicada
Personagem criada por um estudante de Publicidade de 19 anos, Gina Indelicada conseguiu na rede social Facebook mais de 1,5 milhão de seguidores e ainda despertou o interesse dos próprios fabricantes da mais antiga marca de palitos do Brasil. O sucesso, sem dúvida, é o humor sarcástico de uma mulher com o rosto delicado (o da modelo que emprestou a imagem para a marca Gina na década de 1970) que tem sempre uma resposta ríspida para as perguntas que lhe são feitas.
Assim que vi a página da Gina Indelicada me lembrei de Salgado Franco – o “Super Sincero” (personagem criada por Luís Fernando Guimarães que apareceu na TV durante algum tempo em um quadro do Fantástico). Na ficção ele paga o preço do isolamento por não ter papas na língua. Sua sinceridade é tanta que não sobra espaço para qualquer manifestação de diplomacia e polidez.
O “Super Sincero” praticamente não tem paralelo no mundo real. É que dificilmente alguém com o perfil de Salgado Franco ou mesmo de Gina Indelicada sobreviveria em qualquer tipo de sociedade. Seja por diplomacia, seja por hipocrisia, o certo é que pensar antes de falar continua sendo uma prerrogativa para quem não deseja mergulhar em situações vexatórias e incontornáveis.
Embora às vezes eu perca a paciência e tenha vontade de ser absolutamente super sincero em algumas respostas, normalmente sou adepto da temperança. Esta palavra, bastante usada pelos grandes filósofos da antiguidade, traduz a importância da escolha pelo equilíbrio, pelo caminho do meio. Assim, na medida do possível, procuro usar a sinceridade e a diplomacia ao mesmo tempo.
O que defendo é a opção pela verdade em todos os aspectos de nossas vidas, por mais difícil que esta escolha represente. No entanto, refiro-me às verdades espirituais, aquelas que antecedem os valores morais e éticos que norteiam a vida em sociedade. Estas convicções, ainda que residam no campo da teoria, terminam encontrando formas de se concretizar em palavras e atitudes. Exatamente neste ponto mora a prática da sinceridade e também da polidez.
Há quem defenda que externar nossos pensamentos e julgamentos é sempre mais válido do que escondê-los em nome da concórdia. A minha experiência de vida e o que observo nas relações alheias é que quase sempre esse tipo de sinceridade termina em grosserias e inimizades. Não vejo motivo para as pessoas saírem dizendo o que pensam dos outros, até porque os supostos defeitos que possam ser apontados neles talvez nem mesmo sejam defeitos; ou talvez os defeitos do sincero sejam iguais ou até piores.
Em certas ocasiões, como naquelas em que candidatos que nunca deram as caras aparecem para pedir votos, até vale a pena exercer a prerrogativa da sinceridade. Um político suspeito ou apontado como protagonista de escândalos de corrupção também merece encontrar um eleitor nos moldes de Salgado Franco ou de Gina Indelicada. No mais, há muitas formas e caminhos de se dizer a verdade sem magoar ou ofender.