POESIA E CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA

POESIA E CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA

Rangel Alves da Costa*

Conceitualmente, poesia é uma forma de expressão artística através de uma linguagem em que se empregam versos para a elevação das ideias e sentimentos que proclamem os valores do artista e do mundo. Conceito este que não se distancia da política.

Ora, a política também é arte, e tanto como administração dos mecanismos do processo político como enquanto escolha ideológica e partidária. E principalmente enquanto conjunto de princípios e opiniões de uma pessoa que constituem uma posição ideológica.

Esse posicionamento ideológico do político se aproxima muito, porém de modo inverso, do posicionamento do poeta perante a realidade. De modo inverso porque o poeta se posiciona não para camuflar uma realidade que não lhe seja condizente, e sim para expressar todas as feições do que vê e sente.

Contudo, não é de todo impossível que o poeta procure fazer de sua arte uma bandeira partidária. Na escrita pode estar a luta pela justiça, o grito de alerta, a defesa de interesses. Mesmo que não escreva estatutos nos seus versos nem nomeie os bons nem os maus governantes, ainda assim não se afasta de tremular sua bandeira de luta política na sua expressão criativa.

Garcia Lorca, poeta e dramaturgo espanhol, não escondia seu engajamento partidário. Ativista de esquerda, defensor da República Espanhola, assinou diversos manifestos antifascistas e expressou seu esquerdismo partidário em versos. Como consequência, foi assassinado em 1936 pelos nacionalistas vinculados ao governo. Não menos político foi o chileno Pablo Neruda, que fez do verso uma arma de combate contra as injustiças na América Latina.

Já o alemão Bertold Brecht era um marxista convicto, mas também um pacifista e crítico feroz da solução bélica nos conflitos. Muito de sua poesia se presta à elevação do homem “inferior” confrontando o homem “superior”; quer dizer, o escravizado contra o senhor, o votante contra o político. Daí sintetizar seu engajamento no famoso poema “O Analfabeto Político”. Diz o poeta:

O pior analfabeto

É o analfabeto político,

Ele não ouve, não fala,

Nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe o custo da vida,

O preço do feijão, do peixe, da farinha,

Do aluguel, do sapato e do remédio

Dependem das decisões políticas.

O analfabeto político

É tão burro que se orgulha

E estufa o peito dizendo

Que odeia a política.

Não sabe o imbecil que,

da sua ignorância política

Nasce a prostituta, o menor abandonado,

E o pior de todos os bandidos,

Que é o político vigarista,

Pilantra, corrupto e lacaio

Das empresas nacionais e multinacionais.

De minha parte, expresso uma singela contribuição com o poema “O Candidato”, a seguir transcrito:

A história de luta de um homem

não se confunde com os tropeços

que dá tentando fazer história.

A história de luta de um homem

não é construída quando sua honra

enlameou-se para seguir adiante.

A história de luta de um homem

não terá validade alguma

se fez do erro um fim para existir.

A história de luta de um homem

não servirá num livro biográfico

que esconda seus crimes e tiranias.

A história de luta de um homem

não foge ao chamado da verdade

para se fingir lutador e inocente.

A história de luta de um homem

não pode ser feita contra a lei

invadindo e tomando propriedades.

A história de luta de um homem

deve sempre estar distante

dos crimes previstos nos códigos.

A história de luta de um homem

não é feita com o poder na mão

mas na busca ideal desse poder.

A história da luta de um homem

não sai como manchete de jornal

dizendo que foi ou será condenado.

A história da luta de um homem

não sobe na escada da hipocrisia

e de lá grita ao povo humilhado.

A história da luta de um homem

não se faz com troca de favores

nem dispondo do que não é seu.

A história da luta de um homem

não se arrepia nos fóruns e tribunais

e nem deixa de prestar contas.

A história da luta de um homem

não desrespeita a ordem pública

nem se arma contra a sociedade.

A história de luta de um homem

é a história do que fez e fará

sem deixar rastros de corrupção.

A história de luta de um homem

não se faz tiranizando o poder

em nome do meio ao qual pertence.

A história de luta de um homem

sabe afastar o joio do trigo

e afasta de si o de casa que erra.

A história da luta de um homem

se confunde com a do povo

e não de uma facção da sociedade.

Se este homem e sua história

for a sua história e o seu valor

então ele merece ser votado

como a si mesmo que se elege

mas se este homem e sua história

for a história que você já conhece

então comece a fazer outra história

ao menos uma ou duas páginas

no grande e honroso livro da inquietude.

Poeta e cronista

e-mail: rac3478@hotmail.com

blograngel-sertao.blogspot.com