Ignorância e miséria

Assistindo no Globo Rural do último domingo (dia 3/6) a uma reportagem sobre a atual seca na Bahia vi o quanto a ignorância é promotora da miséria. É bom que se diga que uso o conceito de miséria não apenas no sentido material, mas também mental e espiritual.

Na reportagem foram mostrados dois lados de uma mesma realidade. Em um deles estavam pequenos produtores sem água para nada, com a criação em pequena escala praticamente dizimada e dependendo de carros-pipa enviados pelo Poder Público para matar a sede. Do outro lado, na mesma região, pessoas tão humildes quanto as primeiras que conseguiram construir cisternas com grande capacidade de armazenamento da água do período das chuvas e puderam, por isso, ter o que beber, manter hortas para consumo próprio e plantações de palmas para dar aos animais.

Quem está sem nada se queixa da falta de assistência técnica dos órgãos oficiais. Por outro lado, quem está em situação melhor agradece os frutos desta assistência. Portanto, é possível afirmar que ter conhecimento especializado em uma situação como essa é praticamente o diferencial entre lidar bem ou mal com infortúnios tão antigos no Nordeste como a seca.

Na mesma matéria foram mostradas famílias numerosas (com filhos pequenos na sequência e mulheres grávidas de mais um) tendo que andar quilômetros com um balde com água na cabeça, obtido de forma completamente desordenada durante a distribuição nos carros-pipa. Uma das entrevistadas, questionada pela repórter se o quinto filho na barriga tinha sido sua escolha, ela disse sorrindo que sim. A sofrida mulher, seu marido e os filhos vivem num arremedo de casa praticamente só com os 160 reais recebidos do Bolsa-Família – programa social do Governo Federal.

Há ainda quem pense que não ter dinheiro seja um pressuposto para não se ter conhecimento. Sendo mais direto, há quem confunda pobreza com ignorância. A primeira, no âmbito material, é uma circunstância nem sempre passível de ser revertida, por mais que se tenham capacidade, conhecimento e força de vontade. Já a segunda, ao contrário, depende mais do despertar de cada um, das escolhas que todos – ricos ou pobres – são capazes de fazer ao longo de suas vidas. Obviamente, neste quadro também é preciso apoio e investimento oficiais que apresentem horizontes palpáveis para a população carente.

É fato que muito costumam achar que nada consegue ser pior do que a pobreza; que a miséria é capaz de tirar a dignidade de qualquer ser humano. Muitíssimo pior do que este formato de pobreza é a ignorância intelectual, a ignorância espiritual. Estas, sim, conseguem ultrapassar o limiar da falta de recursos e ainda transformá-la em um veneno de ação vagarosa.

A ignorância é como uma corrente presa às pernas que impede ricos e pobres de vencerem os limites que nem com todo dinheiro do mundo se é capaz de ultrapassar. Não desconsidero aqui que a miséria material é capaz de deixar marcas irreparáveis na capacidade de certas pessoas pensarem por conta própria. Sim, a desnutrição para os que passam fome (principalmente na infância) pode ser crucial na sua capacidade de abstração, de planejamento e mesmo de ação.

Apesar disso, há muitos exemplos de pessoas oriundas de famílias pobres que reverteram até mesmo esta situação através dos estudos, da formação intelectual, do crescimento espiritual. Do outro lado, já tive a oportunidade de conhecer pessoas que vivem em meio à imundície com o argumento de que isso é uma consequência da sua pobreza material. Procuram ajuda em forma de esmola e expõem seus filhos em vestes maltrapilhas com a clara intenção de comover.

É certo que as vítimas da miséria social não podem ser necessariamente responsabilizadas pelo estágio a que chegaram. Entretanto, a decisão de romper com a ignorância é o primeiro passo rumo a uma vida digna.