Para a nossa alegria

Há pessoas que, sozinhas, conseguem fazer uma imensa diferença na vida de milhões de outras. Assim foi Chico Anysio, que partiu no último dia 23 aos 80 anos.

Em 65 anos de atuação como humorista, roteirista, diretor e ator, ele fez rir e pensar várias gerações. Seu humor, mesmo de fácil assimilação, era sempre carregado de uma inteligência sutil, típica dos que conseguem se comunicar nas linhas e entrelinhas.

Tomara que os mais novos tenham, ao menos, a curiosidade de saber quem foi Chico Anysio. Que queiram conhecer as centenas de personagens criadas por ele ao longo de sua bem-sucedida carreira. Personagens como Professor Raimundo, Coalhada, Justo Veríssimo, Alberto Roberto, Pantaleão, Bozó, Azambuja, Nazareno, Roberval Taylor, Bento Carneiro, Haroldo, Brazuca, Divino, Popó, Zelberto Zéo, Silva, Gastão, Jovem, Salomé, Tavares, Tim Tones, Urubulino, Véio Zuza, Painho... Cada uma delas com cara, voz e personalidade únicos. Algo tão fantástico que coloca esse cearense de Maranguape no rol dos artistas-gênios de todos os tempos.

Na semana em que a TV e toda a mídia brasileira rendem homenagens a Chico Anysio, uma frase dele sobre a morte diz tudo sobre como ele lidava com a vida: “não tenho medo de morrer; tenho pena”. Se dependesse apenas de sua vontade, Chico certamente faria humor até os cento e tantos anos. Muito provavelmente, com mais tempo e saúde, criaria outras centenas de personagens – todas inéditas e geniais.

Enquanto o Brasil recebia com profunda tristeza a morte do seu maior humorista, circulava pela internet um vídeo caseiro que já foi visto por mais de 2 milhões de pessoas. Nada elaborado, nada editado, nenhuma novidade. No entanto, “Para nossa alegria” vem arrancando risos nos quatro cantos do país. Nele aparecem uma mãe e dois filhos tentando cantar compenetradamente a canção gospel “Galhos secos”. O resultado é uma série de caretas, tiques involuntários e trechos incompreensíveis, somada a uma desafinação natural, seguida de gargalhadas escandalosas.

O vídeo ganhou as redes sociais, levou os três anônimos a programas de TV e, de quebra, promoveu a música já bastante conhecida do público religioso. Por quê? Quem sabe! O certo é que o brasileiro é fascinado por humor – seja ele refinado ou um besteirol escancarado. Chico Anysio sabia disso e conseguia muito bem captar, traduzir e canalizar o que vinha do povo.

Pouco antes de escrever este texto assisti novamente ao “Para nossa alegria” e me comovi pelo que ele representa, pelo que Chico representa. Rir, em essência, é um dos resultados da evolução humana e uma de suas características inerentes. É uma prova incontestável da intrincada teia que envolve o pensar. Rir de si mesmo é, mais ainda, um avanço desta capacidade analítica. Por isso é terapêutico. É uma forma de autoanálise, de autocrítica e, por consequência, de superação. Muitas vezes, ao rir de si próprio, Chico Anysio nos convidava a fazer o mesmo. Quem riu com certeza se sentiu melhor.