Continuidade

Certa vez, numa conversa de mesa-de-bar, eu e alguns amigos debatíamos um dos assuntos mais intrigantes e reticentes da existência humana: haverá vida após a morte? Obviamente, neste tipo de assunto sempre surgem as versões clássicas das religiões mais conhecidas, além da também clássica visão de existencialistas e ateus.

Num determinado momento alguém me perguntou se eu não considerava a hipótese de não haver nada depois desta existência. Minha resposta (que continua a mesma) foi a mais simples possível: por que considerar uma hipótese que tem o nada como princípio e fim? Se o espírito não puder seguir adiante também não haverá quem possa tripudiar com os que acreditam nesta opção, apelando para algo do tipo “não disse que não havia nada?”.

No mais, acreditar que tudo começa e termina aqui tem, no mínimo, um efeito psicológico bastante negativo. Até porque há muitos momentos em que, racionalmente, não faz qualquer sentido ser protagonista ou coadjuvante do enredo criado e vivido pela humanidade.

A minha crença neste e na maioria dos temas é totalmente espiritualista. Sempre que penso no título que a banda portuguesa Madredeus deu para uma de suas músicas instrumentais – “Os pássaros quando morrem caem no Céu” – imagino qual deve ser o destino dos espíritos dos pássaros. Ainda que muitas religiões acreditem que espírito seja algo inerente apenas aos seres humanos, intuo que Deus tenha enchido de espírito toda a Sua criação.

Talvez tenhamos mesmo um espírito bem mais complexo do que o de um pássaro ou o de qualquer outro ser vivo. No entanto, independentemente disso, é muito provável que haja entre todos os espíritos algo em comum: a imortalidade e a possibilidade de evolução.

Como a maioria dos ocidentais, não fui preparado para perder nada no plano físico. O que dizer, então, de uma perda com conotação mais espiritual, inexplicável? Alguns povos orientais, por mais que tenham medo de morrer como qualquer ocidental, lidam culturalmente com a morte de forma muito mais leve. Há entre eles até os que encontram motivos para festejar quando um ente querido se vai. Acredita-se que seu espírito esteja partindo para um estágio de existência bem melhor. Por esta visão, o espírito é como um pássaro que cai no Céu quando morre. Seu voo é muito mais alto e sublime se comparado aos voos possíveis e limitados desta vida.

Nosso pouco entendimento da morte nos faz erroneamente percebê-la de maneira sombria, mórbida. Sempre evitamos falar no assunto e quase sempre definhamos depois da partida de alguém que gostamos. Não se trata de defender a tese de que devemos abafar os sentimentos de tristeza e vazio por uma perda assim. Afinal, a saudade é um dos efeitos do amor. A questão é abrir a mente para compreender a sua dimensão.

Acredito que seja perda de tempo alimentarmos a ideia de que não haverá algo mais após a morte. Muito mais produtivo acreditarmos que voaremos, sim, para outro plano; que os espíritos dos que nos deixam continuam vivos e poderão ser reencontrados mais tarde. Esta perspectiva de continuidade tem a força de delinear melhor as escolhas que fazemos ao longo da caminhada do lado de cá.