DIÁLOGOS COM “ESSA TAL FELÍCIDADE”

Estimados Amigo Leitor e Amiga Leitora, saudações!

Dizem os adeptos e seguidores da fé cristã que “a solidão é a oficina do Tinhoso”. Estava sozinho em casa ouvindo web rádio nos meus afazeres, quando tocaram a canção “Essa Tal Felicidade”, interpretada pelo saudoso soulman Tim Maia. Fiquei comovido por alguns instantes, procurei a letra na Internet, analisei, considerei alguns pontos, refleti outros:

“Já rodei todo esse mundo

Procurando encontrar

Um amor, um bem profundo

Que eu pudesse realizar

Os meus sonhos de criança

Como todo mundo faz

De formar uma família

Como era a dos meus pais

Mas o tempo foi passando

E a coisa mudou

Solidão foi se chegando

E se acostumou

E essa tal felicidade

Hei de encontrar

Mesmo se eu tiver que aguardar

Se eu tiver que esperar

De uma coisa não desisto

Sou fiel não abro mão

De ter filhos, ter amigos

Companheira e irmãos

Se essa vida é bonita

Ela é feita pra sonhar

Mais aumenta o meu desejo

De afinal te encontrar

Mas o que eu não me acostumo

É com a solidão

Um pedaço do seu beijo

Ou o seu coração

Isso já me fortalece

Me faz delirar

Mesmo se eu tiver que escolher

Se eu tiver que esperar”

Saber amar e sermos amados é arte ou ciência com aprendizado e construção contínua? Os amores que têm passado pelas nossas vidas tornaram-nas mais ou menos importantes enquanto permaneceram ou depois que se foram? Qual a melhor idade para amar? Um excerto da crônica “A mulher madura”, livro homônimo de Affonso Romano de Sant’Anna respondeu parcialmente a questão: "Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo".

A vida continua. O mundo é feito de escolhas nem sempre gratuitas. Tudo tende a ter preço e promissórias. Quero crer que quem semeia perspectivas em terra firme e sabe esperar pelo tempo certo, que nem sempre é o cronológico que estipulamos, colhe algum fruto maduro segundo a sua própria natureza de maturidade. Solidão pode ser letal para quem se anula, apavorante para quem se encontra encarcerado ou acamado, para aqueles que fogem de responsabilidades para consigo mesmo e faz o outro de muleta, de escada, de burro-de-carga, de passaporte, de rotas de fuga da sua existência. Mesmo que não admita, o poderoso senhor se torna escravo dependente do servo que o serve e teme pela sua vida se ficar sem ele. Com o ser servil, por pior que seja a condição, também não difere a temeridade por ter se tornado um pássaro cujas asas foram cortadas ou sem forças para alçar e sustentar voos. Enquanto que os senhores têm exércitos de reserva e pistas para decolagens...

Em contrapartida, a solidão pode ser uma ótima companheira e conselheira quando aprendemos a conviver com ela e procuramos razões para viver. Inclusive em prol do ser amado no seu rol social e profissional, e até conosco quando está presente. Mesmo que estas motivações não sejam as convencionais. Quem ouviu esta cantada pela ngela Rô Rô, talvez se identifique e endosse a letra neste contexto:

“Às vezes até na vida é melhor

Ficar bem sozinho

Pra gente sentir

Qual é o valor

De um simples carinho”,

Simples carinho - João Donato e Abel Silva.

As receitas para a felicidade nos livros de autoajuda, conselhos de coachings e novelas televisivas nas emissoras comerciais são muitas. Semelhantes às bulas de amarguras aguardam corações ingênuos, manipulados como ratos em laboratórios de chantagens embutidas. Nessas redes consumidores são passíveis alvos de produtos marqueteiros. Nada contra esses profissionais. A maioria é constituída por trabalhadores que precisam garantir seus empregos para sobreviver. E sabemos que ideologia nem sempre paga contas. Nessas empresas temos patrões, associados e acionistas sobre nós avaliando e determinando competências afinadas ao mercado e visando lucros. "Não se mexe em time que está ganhando", reza uma peça publicitária. Enquanto que outra alerta: "Está na hora de você rever os seus conceitos." Se ampliarmos o termo constataremos que vida conjugal não difere muito da criação e gestão empresarial. Como tudo tende a ter propósitos, resta saber pela ótica de quem?

É tarefa individual observar e perguntar: Quantos dos nossos pais, alguns com vistosas alianças nos dedos, mesmo orgulhosos da sua prole e das alegrias e conquistas que elas propiciam, não estão interiormente mortos ou frustrados pelos cantos, masturbando e remoendo desejos reprimidos por não terem atingido o gozo, o orgasmo de uma realização pessoal? Sobretudo com o avançar da idade em círculos onde idosos se tornam estorvos e candidatos aos depósitos de gente, camuflada e popularmente conhecidos como Casa de Repouso. E forçados a interpretar para os filhos e netos a ardilosa peça “felizes até que a morte nos separe”? Afinal, "o que deus uniu o homem não separa." Será que apenas o amor conjugal é realmente a plenitude do ser humano? Ou um almejado bilhete premiado, com aval da igreja e do Estado, pelo bem do shopping afetivo e social, em benefício das indústrias e do status quo? Citando Cícero Buark, em Falando Sozinho: "Todos nós vivemos fingindo. O meio não nos permite dizer a verdade."

A exemplo do verbete Casamento na Wikipédia, que lista quinze tipos e modos regulamentados pela sociedade, as essências do amor e da felicidade possuem faces e formas diversas. Salvo equívoco, penso que Amor Incondicional, idem. Reza alerta em uma canção: "(...) casar é negócio. Você vê quem é quem, só depois do divórcio." Refletir conceitos, investir em metas, elevar pensamentos positivos para a nossa aura, às possíveis relações harmônicas entre a Humanidade, aos nossos afetos e afetivos são algumas delas. Quanto menos carentes e dependentes formos, suponho que mais autônomos e libertários seremos. Somos espelhos interdependentes. Pelo bem maior que é a paz interior não devemos nos habituar com a acomodação, com argumentos e cotidianos castradores, manipuladores, violadores e violentos, em nome do Amor.

Li em algum lugar que vida a dois e busca pela felicidade, é quando um casal, em comum acordo, olham para os mesmos horizontes. Ocorre que cada ser é um universo em potencial, com seus limites e infinitos, aspirações e dramas, incluindo propósitos e sonhos, num mundo onde não ser, não alimentar nem edificar horizontes é regra para muitas e muitos. A empatia e a sororidade podem ser caminhos percorríveis quando adentramos em zonas de conflito. Sobretudo os de gêneros. Os papéis feminino e masculino presentes nas relações conjugais nem sempre são amistosos e confluentes. Remetem ao "Dilema do Ouriço", também conhecido como o "Dilema do Porco-Espinho", de Arthur Schopenhauer, na obra "Parerga e Paralipomena". A exemplo da solidão, ao sentirmos frio em algum ambiente gélido, desejamos uma companhia que nos abrace e aqueça. Ocorre que a nossa natureza, "os espinhos", não permitem proximidade. Diante deste problema, que nos remete às temperaturas das regiões antárticas e correlatas, temos que buscar soluções compatíveis ou sofreremos as contingências e fatalmente pereceremos.

Escrever, por exemplo, é um ato solitário, multifuncional e tem suas vantagens, independente da forma, do gênero e utilidade a que se propõe. Escrever, também pode ser um ato de amor tanto ao ser amado, quanto à liberdade de expressão. Vide alguns diários, memórias, reflexões, apenas para citar. Segundo um rap dos Racionais: "As grades nunca vão prender nosso pensamento, mano." Alguns artigos do líder e ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, discursos do pastor Martin Luther King Jr, cartas de Mahatma Gandhi aos governos inglês e indiano, e que sacudiram e mudaram os rumos da humanidade, na época em que se tornaram públicos, foram originalmente escritos na solitária dos presídios de segurança máxima, que os detiveram. Lembrando Max Freedom Long, no livro Otimismo em Gotas, de R. O. Dantas: “A natureza está sempre pronta a ajudar, desde que façamos a nossa parte”.

Houve um tempo em que por carência, por credulidade, por desinformação, por ingenuidade, eu aceitava tudo. Com o tempo e através das artes, em especial o cinema, a fotografia e a literatura independentes em circuitos alternativos, somados com experiências vividas ou situações presenciadas, eu comecei a perceber que a vida em sociedade são arenas e palcos repletos de contradições. Fato que reforça um ditado anônimo: “O ser humano é um projeto que não deu certo.” Desde então, por acreditar em Possibilidades, não somente passei a me rever, como comecei a tecer questionamentos, pegando por base uma frase ouvida repetidamente por palestrantes na introdução das suas falas, num seminário de filosofia: "sou um ignorante em formação."

E pensar que Essa Tal Felicidade, após tocar em lembranças, observações, referências e sentimentos, me fez parar e escrever a respeito, sem a intenção de posar como dono da verdade. E, sim, manifestar pontos de vista colaborativos. Segundo um provérbio africano: “Quando não há inimigos interiores, os inimigos exteriores nada podem fazer contra você.” Falar sobre Romantismo, suas origens, desdobramentos e segmentos, é tarefa complexa. Tal qual Religião e suas práticas, não devemos menosprezar os contextos econômicos, históricos, políticos e sociais, que as geraram. Esses diálogos procedem ou viajei na maionese? Que mal eu pergunte, e você, já fez a sua por você, hoje? Preto Charles, meu filho, respondeu assim um torpedo que lhe enviei: "Fala Black, tenho feito a minha parte desde que voltei a estudar".

Bem, no momento - estimados Amigo Leitor e Amiga Leitora - paro por aqui. Vejo vocês no próximo texto.

COHAB Cidade Tiradentes para o mundo, São Paulo 02/07/05.