COMO SE DESTRÓI UM MUNICÍPIO

COMO SE DESTRÓI UM MUNICÍPIO

Rangel Alves da Costa*

É muito fácil e pertinente mostrar como a história e a cultura de um povo vão se acabando vertiginosamente, aos olhos estupefatos daqueles que não querem acreditar no que veem. Tudo é mais assombroso ainda porque muito rapidamente, de uma hora pra outra e as características próprias de um lugar vão sendo relegadas ao destrutivo plano do esquecimento.

Não poderia abordar sobre tal tema de modo generalizado, vez que cada povo possui sua maior ou menor força de resistência às mudanças impostas. Daí que a partir de agora me refiro especificamente ao município de Poço Redondo, lá na aridez do alto sertão sergipano. Sou filho de lá, amo o meu lugar e por isso também a minha indignação.

Mas voltando ao tema principal, eu havia afirmado da possibilidade de um município, principalmente do povo que tem raízes nessa comunidade, de repente ser completamente despojado daquilo construído histórica e culturalmente, se vê sem perspectiva futura de existência. Afirmei e posso até escrever uma cartilha intitulada “Como acabar com a história e a cultura de um povo”. É tudo muito claro e simples, feito receita de bolo.

Na receita da destruição, em primeiro lugar basta que os habitantes do município errem e reincidam no erro de eleger falsos administradores, que na verdade não passam de ditadores, carrascos, maus-gestores, ímprobos, perseguidores da parcela de eleitores que não votam neles, péssimos gestores dos destinos do município, omissos nas questões primordiais que envolvem a população, e muito mais.

Mais porque a idoneidade desses administradores já foi comprovada. Não há nenhuma, nem resquício. Pelo contrário, vivem praticando arbitrariedades de toda sorte, manejando ao deus-dará as verbas públicas, negligenciando na prestação de contas. São costumeiramente processados por má gestão administrativa, por improbidade mesmo, mas jamais sofreram quaisquer tipos de sanções e nem foram afastados do cargo que exercem.

Digo sem medo de errar que os preceitos da Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências, não tem aplicabilidade no município de Poço Redondo. Ora, mandam e desmandam, as conversinhas surgem e os fatos são comprovados, mas não demora muito e tudo é esquecido e eles continuam curtindo as benesses do poder, da sempre desejada viuva.

Parece-me, porém, que a maioria da população eleitora de Poço Redondo não sabe o que seja improbidade administrativa, isso mesmo que os seus escolhidos são mais que competentes em fazer. E parece que só isso. Assim, improbidade administrativa é o ato do gestor público, impregnado de desonestidade e deslealdade. É a corrupção administrativa. É o ato praticado pelo agente público contrário à moral e à lei. Entre os atos de improbidade estão, por exemplo, o enriquecimento ilícito, o superfaturamento, a lesão aos cofres públicos e o favorecimento, mediante a concessão de favores e privilégios ilícitos.

Desse modo, um escolhido pelo povo que possui as características de ímprobo, de desonesto, até que se prove em contrário no julgamento dos processos que respondam exatamente pela configuração de tal crime, certamente que não possuem qualquer intenção de ver o município progredir, desenvolver-se perante as novas demandas sociais. E todas as vezes que há problemas na administração, com o gestor respondendo a processos, ora cai ou não cai, quem sai perdendo é o município como um todo, pois deixa-se de administrar para o povo, para a melhoria da qualidade de vida do município, e pensa-se somente em resolver problemas pessoais.

As consequencias nem todo mundo sabe, mas precisa saber. Quando uma administração municipal está impregnada de improbidade, com processos tramitando em nas esferas administrativas e no judiciário, as verbas normalmente destinadas parecem que não surtem nenhum efeito. E isto porque a cidade e as sedes dos povoados ficam relegadas ao plano da imundície, da destruição, com ruas sem saneamento, buracos impedindo que pessoas e veículos transitem, praças destruídas, serviços essenciais sem atendimento, escolas sem reforma, órgãos públicos caindo aos pedaços, desolamento total no município. E tudo fruto da improbidade administrativa. Quer dizer, verbas que poderiam trazer melhorias passam a ter outras destinações, e muitas vezes ilícitas.

Outra consequencia da improbidade administrativa diz respeito ao fato de que o prefeito se escusa de construir, reformar, melhorar ou fazer qualquer coisa pelo município sob a alegação que a prefeitura não tem fundos, está quebrada, que as verbas não estão sendo destinadas ou coisa parecida. Ora, não poderia ser diferente. Aqui vale a mesma lição da vovó: Casa que não tem dono, ou tem dono demais, quando cai uma porta a culpa é sempre do vizinho.

Apontando apenas mais uma das muitas consequencias da má gestão de um prefeito, tem-se que a história e a cultura do município tendem cada vez mais a serem esquecidas, desvalorizadas, relegadas ao plano do caminhar pelas próprias pernas, sem incentivo algum para que se preserve e valorize o que se há de melhor.

No caso de Poço Redondo deu no que deu, pois não há qualquer tipo de política para o turismo, não há preocupação em divulgar a Gruta do Angico, a Serra da Guia, o Morro da Letra, a igrejinha construída por Antônio Conselheiro nas proximidades de Curralinho, as belezas dos povoados ribeirinhos. Nada disso. Nem um forrozeiro bom contrata-se mais nas festas municipais, preferindo investir nessas bandalhas de música de péssimo gosto e que são até uma afronta às tradições familiares e sertanejas.

Sem uma política voltada para a valorização da juventude, dando-lhe oportunidade de emprego, educação e lazer, também é assinar embaixo os termos da destruição do município. Não se constroi uma quadra poliesportiva, não há incentivo à prática do esporte, não há em todo o município uma biblioteca de qualidade, o centro de artesanato foi fechado. Quer dizer, não há nenhuma infra-estrutura de acolhimento, de preparação e oportunização aos jovens.

Pelo que se sabe, os esforços empreendidos pela administração municipal para possibilitar emprego e renda nunca deram resultados, pois nunca foi conseguida a instalação de uma indústria sequer nem há interesse algum de incentivar pequenas empresas familiares, pescadores, ceramistas, artesãos, oleiros ou quaisquer outros profissionais. Se alguém chegar à prefeitura pedindo ajuda para comprar uma tarrafa para pescar certamente será expulso de lá. Restam basicamente os empregos comissionados ou arranjados na própria prefeitura, que não é garantia nenhuma se ao menos o prefeito sonhar que a pessoa conversou com alguém da oposição.

Por isso mesmo que a violência alcançou níveis tão alarmantes, ninguém pode ter mais paz e sossego sentado na porta de sua casinha ao entardecer, ninguém pode mais ter duas ou três criações que os bandidos chegam para levar tudo e até ameaçam famílias inteiras. Por isso mesmo a exacerbação da droga como problema alarmante. Se antes se ouvia falar em usuários de drogas como a maconha, agora se têm o tráfico, as bocas, os responsáveis pelo recebimento e distribuição não só na cidade como em todo sertão. Maconha agora é fichinha, pois o crack faz sua festa de forma voraz e persistente. E é destinado precisamente àquele jovem que não tem perspectiva de vida, porém se tornando usuário tem que roubar ou cometer outros ilícitos para manter o vício.

Nessa receita de destruição, em segundo lugar há que citar os sem-terra que tomaram na tora quase todas as terras de Poço Redondo, produtivas e improdutivas. Aliás, já estava escrito desde os tempos bíblicos: “Onde o povo carregando a bandeira vermelha fincar o pé, dali em diante só haverá destruição e devastação”. Mas depois conto essa história.

Poeta e cronista

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