Otimismo que vem do campo

Com raras exceções, há pelo menos duas décadas eu faço questão de também acordar antes das 8 horas aos domingos somente para assistir ao programa Globo Rural. Fora o fato de vir de uma cidade pequena, com um perfil agrícola, nunca tive qualquer relação direta com a vida no campo, o que talvez explicasse o tamanho prazer que sinto ao ver matérias sobre esta realidade.

Há algum tempo um conterrâneo, o cantor e compositor Tom Zé, disse numa entrevista que há em nosso país uma espécie de pessimismo profissional. Com um jeito próprio de se expressar, mesclando palavras precisas e gestos exagerados, esse baiano de Irará soltou a seguinte pérola: "o Brasil tem duas televisões: uma às 6h30min, otimista, que mostra o povo plantando café, resolvendo problemas na lavoura, canalizando água. A gente assiste e fica carregado de vontade de trabalhar, inflado de alegria e esperança. Mas às 11 horas acordam os especuladores, os financistas, os golpistas brasileiros e de todas as nações".

É exatamente assim que me sinto quando assisto às reportagens do Globo Rural. Há tantos projetos dando certo longe dos grandes centros que chego a apostar que a maior parte dos problemas do mundo deve começar a ser resolvida na roça.

No último domingo, por exemplo, a matéria principal do programa girou em torno de um projeto relativamente antigo no Brasil que trata dos benefícios da integração lavoura-pecuária. Um dos entrevistados, o engenheiro agrônomo da Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - João Cuthcouski, ressaltou que bastaria a adoção dessa técnica nos 100 milhões de hectares de pastagens degradadas existentes em todo o país para dobrar a nossa produção de carne e grãos. Ele, que defende isso desde a década de 1980, assegura que a integração lavoura-pecuária (com plantação de capim para pasto numa mesma área de outras culturas, como milho, soja e arroz) é, inclusive, uma forma de se evitar a devastação da Amazônia para criação de gado.

Em outra ocasião uma série especial do programa mostrou como é feito em Nova York, nos Estados Unidos, para se preservar a água que abastece milhões de pessoas daquela megalópole. Há mais de 20 anos a população da cidade paga pelos serviços ambientais de agricultores que vivem a 200 quilômetros, onde estão as nascentes. Esta experiência consolidada já inspirou projetos em vários pontos do mundo, inclusive no sul de Minas Gerais e em São Paulo.

A reportagem mostrou que o Departamento de Águas de Nova York investiu mais de 1,5 bilhão de dólares em vários tipos de infra-estrutura que permitem aos agricultores preservar as nascentes sem que tenham prejuízo financeiro com isso. Em contrapartida, economizou cerca de 10 bilhões de dólares, que seriam gastos se tivesse construído as estações de tratamento que estavam previstas. A adesão ao programa, que é voluntária, foi de 95% dos proprietários rurais. Ou seja, um projeto que deu certo.

São inúmeros os exemplos genuinamente otimistas vindos do campo e mostrados em programas como o Globo Rural. A verdade é que o pessimismo social não nasce nos terrenos áridos e pobres das nações de todo o mundo. Neles as pessoas até costumam rir enquanto tiram leite de pedra. Esta erva daninha costuma ganhar corpo e se avolumar nas bolsas de valores, entre os mega investidores que recuam diante da oscilação do dólar ou da alta no preço do petróleo.

É fato que a realidade se torna bem mais difícil com menos dinheiro, com mais dívidas e com a falta de novas oportunidades profissionais. Entretanto, as realizações pessoais não podem estar atreladas apenas a este caminho. Há quem consiga estar feliz e em paz com poucos bens materiais e com aspirações que passam longe da desenfreada busca por poder e riqueza.