Desconstruindo a idolatria
Pode até parecer intolerância, mas é apenas a constatação de um adulto de 41 anos que há muito descobriu não fazer sentido algum a histeria de muitos adolescentes diante de seus ídolos da música, do esporte e da TV. Luan Santana, Restart, Neymar, Ganso, Pato e outros nomes que atualmente desfrutam dos gritos e lágrimas de milhares de teens brasileiros pouco têm, de fato, a acrescentar em seu processo de amadurecimento.
Não há novidade em se constatar a normalidade de se terem ídolos na infância. É até possível se defender a tese de que nesta época eles sejam necessários no processo de auto-afirmação dos indivíduos. Lembro-me as muitas vezes em que nas peladas de futebol nos chamávamos pelos nomes dos nossos ídolos. Quando, por exemplo, alguém dizia em voz alta que era Zico, é como se um pouco do valor e prestígio deste craque inesquecível do Flamengo e da Seleção Brasileira nos anos 70/80 pudesse ser apropriado.
Na infância também se escolhem o super-herói preferido, o cantor favorito e o ator/atriz a quem se espelhar no gestual e na moda. Idolatrar é, neste sentido, tentar encontrar um modelo a ser seguido, ainda que sem parâmetros reais. Mesmo nossos pais, que estão ali tão próximos, costumam ser vistos como ídolos, ainda que para eles seja difícil sustentar por muito tempo este status.
Ter ídolos quando criança é tão natural como colecionar figurinhas, selos, gibis e uma infinidade de outras ocupações que desaparecerão com a chegada das primeiras espinhas no rosto. Preocupante mesmo é a continuidade da idolatria na adolescência e na vida adulta. Um adolescente, por mais que ainda tenha dúvidas sobre muitos assuntos relacionados ao seu passado, presente e futuro, tem condições de discernir o que é certo e o que é errado, o que é aceitável e o que é excessivo. Quando ele opta por um dos lados pode ser uma decisão de "tribo", uma maneira de se enquadrar ao comportamento da sua geração ou simplesmente da sua turma de amigos.
Nessa fase de vida o problema em se terem ídolos é que normalmente os adolescentes os veem sem defeitos e os tomam como um todo. Por exemplo, tende-se a copiar tudo do artista preferido, mesmo que ele seja uma pessoa fútil, pernóstica e vazia.
Uma amiga de infância da Bahia me contou que certa vez se encontrava numa praia em Salvador e deu de cara com Caetano Veloso, um dos principais ídolos da sua adolescência. Com pouco mais de 30 anos quando esse episódio aconteceu, minha amiga disse que, com um sorriso e os braços abertos, dirigiu-se a ele e pediu apenas um abraço. Em troca, ouviu um seco e sonoro "não". Não preciso dizer que para ela foi bem doloroso e decepcionante.
A verdade é que ninguém precisa de ídolos. Somos defeituosos e ninguém escapa disso. Estamos todos no mesmo barco, precisando encontrar sentido para nossas vidas, sendo famosos ou figurando entre as dezenas de milhões de anônimos que existem nos quatro cantos do mundo. Precisamos, sim, de autoconhecimento e de bons exemplos para nos espelhar (de preferência, das pessoas mais próximas e queridas). É claro que podemos admirar o trabalho de um artista, de um atleta ou de quem quer que seja, mas nada que nos coloque num degrau abaixo deles. Desconstruir a idolatria, mesmo a de cunho religioso, é se pautar pela grandiosidade da criação divina, que supera todas as formas humanas de megalomania.