Problemas inventados
Quem já não se pegou tecendo um emaranhado de elucubrações acerca de um suposto problema que, muitas vezes, nem se concretizou? Em muitos momentos da minha vida, principalmente quando afetado por cansaço mental, sou capaz de me envolver numa verdadeira teia imaginária de intrigas. Nela, pequenas dificuldades cotidianas, que eu poderia perfeitamente destrinchar com um pouco de paciência e compreensão, tornam-se obstáculos aparentemente intransponíveis.
Nesse tipo de percepção de mundo é muito fácil problemas inventados se tornarem reais. A força de nossa mente é tamanha que doenças físicas surgem como que por encanto quando estamos preocupados, cansados e tristes ou quando somos tomados pelo descaso, pela inveja e pela ira.
A confusão mental impede qualquer análise que possa clarificar nossas observações, nossas escolhas. Assim, uma simples distração de alguém que não nos cumprimentou na rua pode torná-lo um inimigo em potencial; nossa mente é capaz de criar uma verdadeira trama conspiratória, colocando-o na condição de vilão.
Talvez por conta desse tipo de atitude pseudo-racional tenhamos tanta dificuldade em entender o pensamento de um budista, por exemplo. Há pouco tempo, lendo um texto sobre os ensinamentos de Buda, de autoria de Geshe Kelsang Gyatso – renomado professor de Budismo, destaquei o seguinte trecho: “todos os problemas que experienciamos em nossa vida diária se originam da ignorância”.
Numa rápida análise sobre essa percepção de mundo, não consegui imaginar um só problema da humanidade que não nascesse ou se avolumasse a partir da ignorância. Ignorar é, de fato, limitar a visão, limitar os passos rumo ao autoconhecimento e ao conhecimento do mundo. Quando, por exemplo, prejulgamos (e condenamos) alguém sem antes conhecê-lo a fundo, perdemos a oportunidade de crescer com o próprio exercício da busca. Pior ainda: afastamos deliberadamente pessoas que poderiam nos acrescentar em muitos sentidos.
No mesmo texto Geshe Kelsang Gyatso enfatiza que a prática do Darma (que significa proteção) é o método budista para eliminar essa ignorância. “Se primeiro estabelecermos a paz em nossas mentes por meio do treino em caminhos espirituais, a paz exterior virá naturalmente; mas se não o fizermos a paz mundial nunca será alcançada, não importa quantas pessoas façam campanha por ela”.
Interessante perceber o quanto um ensinamento budista pode estar em sintonia com essências do ensinamento cristão, como a compaixão, o perdão e o cuidado do corpo como a morada do espírito. A paz em nossas mentes é um pré-requisito para a paz exterior, para a saúde do próprio corpo.
Essa teoria é tão certeira que basta um pouco de atenção para percebê-la na prática. Quando consigo livrar a minha mente das inquietações artificiais; quando me permito sentir os efeitos da alegria espontânea; quando sou assaltado pela convicção de que a maioria dos meus problemas não passa de auto-sabotagem, simplesmente me flagro em paz.