Palavras são asas

Ao dominar a fala e ao criar os símbolos que a permitiram cristalizar ideias e projetos, a humanidade deu seu grande salto rumo ao futuro. Neste contexto histórico, ler e escrever passaram a significar saber e poder em todos os níveis do convívio em sociedade.

Houve um tempo em que o acesso aos livros e ao conhecimento da escrita era destinado a poucos eleitos, que passavam a ter sobre os demais uma ascendência concreta e perigosa. Vários séculos depois, o que vemos neste novo milênio é que poucos são os que têm intimidade com a própria língua a ponto de usá-la com alguma propriedade. Infelizmente, a cada nova geração vai se fortalecendo certa aversão à escrita formal, a ponto de ter se estabelecido na comunicação virtual um verdadeiro “dialeto”, eficiente na comunicação, mas pobre em conteúdo.

O medo de escrever não é uma deficiência apenas dos primeiros anos do ensino formal, mas de uma quase unanimidade nos últimos anos do ensino médio e também bastante no ensino superior. A maioria dos vestibulandos vê na redação um bicho-papão, um difícil obstáculo a ser vencido com as fórmulas ensinadas em cursinhos. Estas um ledo engano, diga-se de passagem.

Não é realmente fácil saber onde começa e como se agrava um problema como esse. Não por acaso continua sendo um dos maiores desafios para governos, educadores, pesquisadores, pais e, na ponta final, para os que precisam aprender a escrever. Embora não seja uma regra, as pessoas que são incentivadas a ler desde criança, e não perdem este hábito ao longo da vida, têm maior probabilidade de não se intimidar com a escrita.

Pena que ler e escrever nem sempre estejam atrelados como um exercício prazeroso. Há os que gostam de ler e não se interessam em escrever e vice-versa. O que parece ter uma ligação direta é que a falta do primeiro pode dificultar consideravelmente a prática do segundo. Vale ressaltar aí que leitura não é somente de livros, mas também de jornais, revistas e textos de internet; escrever, por sua vez, não está associado apenas a redações de escola ou de concursos, mas a cartas, textos literários, e-mails e mesmo conversas online.

Tanto a escola quanto a família têm um papel decisivo no incentivo à leitura e à escrita já na infância. Há pesquisas que demonstram que pais que leem para seus filhos ainda pequenos aumentam consideravelmente a chance de que eles se interessem em continuar lendo ao serem alfabetizados. Nesta fase os presentes devem se revezar entre brinquedos e livros, principalmente para que estes últimos não sejam vinculados apenas aos livros didáticos.

Em família, leitura e lazer devem ter uma ligação sempre que possível. Em casa, o ato de escrever pode nascer com uma troca lúdica de bilhetes cotidianos entre pais e filhos ou com o incentivo ao hábito de se escrever em diários, que também podem ser excelentes presentes.

Há quem confirme que o medo de escrever esteja misturado àquela vergonha de ser julgado e ridicularizado. A verdade é que uma sociedade como a nossa não pode julgar alguém neste sentido, já que uma maioria esmagadora é afetada por tal deficiência. O problema é que os vestibulares da vida não perdoam e fazem da redação uma peneira decisiva em seu processo seletivo.

Vencer essa batalha não é tarefa das mais fáceis. Entretanto, mais difícil ainda é adiá-la sempre para depois. O princípio do saber verdadeiro é aprender com os próprios erros, já dizia o filósofo grego Sócrates. Só mesmo lendo e escrevendo alguém pode encontrar o devido traquejo, que jamais aparecerá num estalar de dedos.