O mundo seria melhor sem axiônimos
Entre muitos episódios envolvendo a vida do escritor espírita Francisco Cândido Xavier, um eu gosto em particular. Conta-se que certa vez ele foi convidado para participar de um debate na extinta TV Itacolomi, em Belo Horizonte, para o qual também tinham sido convidadas autoridades religiosas e científicas.
Antes de chamar os convidados, o apresentador do programa resumia para os telespectadores os seus currículos, todos repletos de mestrados, doutorados e outros títulos importantes. Quando chegou a vez de Chico Xavier, ele percebeu que não havia em sua ficha dados sobre o currículo do escritor; então, dirigiu-se a ele e perguntou como deveria tratá-lo. O espírita, com sua voz peculiar, respondeu prontamente: “Chico já é o bastante”.
Mesmo sem ser espírita ou exímio conhecedor de sua obra, sei que Chico Xavier pautou grande parte da sua existência atendendo aos mais necessitados e exercitando o amor ao próximo, a compaixão e a fraternidade. Alguém assim não se importa com títulos acadêmicos ou reverências sociais e políticas; não acredita nos axiônimos.
Segundo os dicionários de língua portuguesa, axiônimo significa uma forma cortês de tratamento, uma expressão de reverência, um título honorífico, a exemplo de Vossa Majestade, Excelência e Doutor. Há os que o usam por uma questão de formalidade, enquanto outros tantos o fazem por pura subserviência, pelo sentimento de inferioridade. Algumas vezes eu mesmo já fui chamado de “doutor”; em todas elas o interlocutor era um menino de rua, um mendigo ou alguém em situação social degradante. Algo triste de se vivenciar.
Realmente, “doutor” está no topo dos axiônimos mais ambicionados. Para quem duvida do seu poder, basta fazer um teste corriqueiro; é só ligar para alguns consultórios médicos, escritórios de advocacia ou gabinetes de deputados em busca dos respectivos titulares. Assim que a secretária atender, deve-se mencionar apenas o nome do médico, do advogado ou do deputado com quem se quer falar. Normalmente ela tentará corrigir quem está do outro lado da linha com uma reprimenda velada, do tipo: “o(a) senhor(a) quer falar com o doutor fulano-de-tal?”
Embora “doutor” seja o preferido, há outros axiônimos que também são atrelados aos nomes como um valor agregado. Entre os mais comuns estão “professor”, “padre” e “pastor” – estes nem tanto pela importância sócio-econômica, mas por uma espécie de supremacia intelectual ou espiritual. Pelo menos com meus alunos eu faço de tudo para que me chamem apenas pelo nome. Nem sempre consigo. Eles dizem que é mais forte “colocar o professor antes”.
Com certeza o mundo seria melhor sem os axiônimos. Quem dera pudéssemos chegar ao grau de maturidade de Chico Xavier. Quem dera pudéssemos aprender com um homem que foi venerado como uma verdadeira sumidade, mas que teve a sabedoria de optar pela humildade e viveu até a morte como alguém cujo apelido tão comum tinha mais valor do que qualquer título que pudesse forjar uma falsa grandeza.
Chico Xavier sabia que um axiônimo pode, sim, simbolizar uma espécie de abismo entre as pessoas, entre as classes sociais. Ele sabia que um “doutor” antes do nome pode soar mais arrogante do que respeitoso. Numa utopia humanista, pessoas valem mais do que sobrenomes, cargos e títulos.