Sobre mim
Vim de muito longe... Do interior, do mato, trazendo na mente as lembranças vividas por lá na alma, uma bagagem artística anônima, na mala, alguns vestidos floridos, o meu diário e algumas poesias em papéis desbotados e gastos pelo tempo, elas foram escritas em baixo do pé de manga no quintal da minha casa e em meu quarto sob a luz da lamparina. Eu trazia ainda tatuado em mim os ensinamentos paternos, os quais poderiam me conduzir pela vida de uma forma mais branda. Mas ingenuamente ousei enfrentar o mundo. Queria fazer teatro, sem ao menos saber o que isso viria a ser. Apenas gostava de interpretar, queria ser alguém, mas quem? Eu não sabia, apenas queria. Sonhava... Lá nas matas onde nasci, ainda recordo-me interpretando à beira do açude e do igarapé, por onde vivia a mergulhar, a pescar, pressentindo em tudo um grande mistério até hoje irrivelável. Eram águas que dóceis e silenciosas me fascinavam, entre os segredos exóticos de tão rica e bela natureza! Recordo o vento arvorando sobre o ar sua cortina de poeira vermelha dificultando minha visão que ainda alcançava a imagem da minha mãe, à beira do caminho acenando um triste adeus para mim. Aquela cena ficou gravada em minha alma mente e coração. Mas eu queria voar para fora do ninho. Não sabendo eu, que tudo era tão diferente da minha realidade tão simples. E passei por provas de fogo. Ainda fiz um curso de arte dramática no teatro paiol na Avenida Amaral Gurgel, Santa Cecília São Paulo, e outras oficinas em lugares diferentes. Fiz teatro durante muito tempo, antes de ser atingida por esse vendaval, que estilhaçou-me por dentro e por fora, senti-me tão frágil para tanta brutalidade. Virei fugitiva do esposo que arrumei na cidade, ele era muito violento, fui muito espancada. E a criança que sempre existiu dentro de mim, tremia em meu ser, querendo agasalhar-se em mim e proteger-se no seio dessa frágil, mas forte mulher que sou. Só naquele momento, todo o meu ser se tornara uma criança, assustada com vontade de gritar: mas, era preciso silenciar-me agora e encarar a vida de frente estava sem pai, sem mãe e sozinha no mundo. Tinha que ser forte e enfrentar a vida, queria entender agora, porque tanta fúria, seria coisa do destino? Não podia mais suportar isso. O que realmente a vida queria de mim? Apóis ter apanhado tanto na infância, ainda apanhar do esposo e ser ameaçada de morte, caso contasse para alguém. Eu não tinha outra saida, a não ser fugir. E assim fiz, comecei a andar sem rumo certo, rumo a qualquer lugar, ou a lugar nenhum, como quem se lança ao vento. Foram dias terríveis contarei em uma outra oportunidade, sei é que travei uma grande luta com o mundo e comigo mesma. Fui guerreira, fui tantas, quando nem mesmo uma, eu poderia ser. Mas, Deus foi comigo e eu consegui vencer. Aprendi a lidar com os meus medos e inseguranças. E agora, posso dizer que tudo se acalmou. Ficaram marcas indeléveis, mas o tumulto passou. E partes de mim que se tinham ido com a tempestade, voltaram com a mesma ternura e a paz que necessito para viver. Mas enfim, me arremessei rumo ao alvo, que era a minha vitória. Fui à luta, fui guerreira posso dizer agora que o pior já passou. Estou tranquila, com alma serena, que continua amando a Deus e a natureza meu berço primeiro. Onde aprendi a dar os meus primeiros passos e inconfundir o seu cheiro, o cheiro do barro molhado, o cheiro da terra, da mata, dos frutos e o cheiro das flores. Onde também ouvi, com mais nitidez o zumbir do vento em meus ouvidos, como se trouxesse em si, o som do planeta. Saudade dos primódios desse tempo, onde vivi em magia e contentamento em que levarei comigo até o dia derradeiro
Kainha Brito
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