Longe da civilização

Há dias em que acordo com muita vontade de estar numa daquelas belíssimas paisagens de regiões longínquas do planeta, como o Himalaia, a Patagônia e o Alaska. Nem precisaria ser tão longe. Bastaria algum lugarejo num dos pontos mais altos da Serra da Mantiqueira, como os que vi no Globo Rural há alguns meses, numa reportagem sobre o queijo parmesão feito em Minas.

Na verdade, essa vontade tem a ver com a triste constatação de que em cidades como Viçosa-MG (onde resido) já não dá mais para se ter uma vida tranquila. Problemas como a violência cotidiana, que antes eram manchas apenas das capitais e cidades de grande porte, vieram para ficar.

Apontar as causas e os culpados não é uma tarefa fácil, mas o fato é que o índice de violência em Viçosa e municípios vizinhos pode ser considerado compatível aos grandes centros, guardadas as devidas proporções. Não se trata de uma impressão alarmista baseada em ocorrências policiais corriqueiras. A situação é realmente séria. Um rápido levantamento nos arquivos recentes do Tribuna Livre (jornal da cidade no qual sou redator), por exemplo, é capaz de revelar números inimagináveis para quem chegava à cidade no início da década de 1990, como eu. Assassinatos, assaltos a mão armada, furtos, tráfico de drogas e casos de agressões diversas se tornaram rotina.

Nos últimos tempos é muito difícil uma semana em que não ocorram crimes chocantes. A sensação de insegurança virou assunto de conversas em todos os lugares. As pessoas já estão se sentindo reféns de um tipo de violência que as deixa naquela paranóia de que não estarão seguras em lugar algum. Até que ponto isso é exagero não dá para precisar. No entanto não se trata de medo infundado.

Em um dos trechos da música “Casa no Campo” (sucesso da década de 70 na voz de Elis Regina), os compositores Zé Rodrix e Tavito ressaltam: “eu quero uma casa no campo, onde eu possa ficar do tamanho da paz e tenha somente a certeza dos limites do corpo e nada mais.” Muitos (como eu) ainda acalentam este sonho quase pueril de morar no campo ou numa praia mais deserta para tentar encontrar um pouco daquele sentimento deixado para trás em épocas em que cemitério de interior praticamente só recebia idosos vítimas de “morte morrida”. Quando estou com os dois pés na realidade acho absolutamente utópico algo assim.

Este novo milênio é a síntese nefasta da ideia de progresso tão difundida e concretizada no século 20. Ela colocou o Brasil no caminho sem volta dos benefícios da modernidade, da tecnologia e do universo tipicamente urbano. Mas também trouxe problemas que parecem estar engolindo todo o restante.

Em pouco mais de oito décadas 80% da população brasileira, que viviam na zona rural, foram buscar as migalhas desse dito progresso nas cidades. Não houve equação para equilibrar tal discrepância e até hoje o inchaço urbano reflete tudo de ruim que pode surgir disso: desemprego, fome, analfabetismo, exclusão social, submundo das drogas e do crime. Por acaso não são estes os ingredientes básicos para a bomba-relógio chamada violência?

Viçosa é só uma pequena fatia desse gigantesco bolo indigesto. Quem come dele sente bem mais do que uma forte dor de barriga. Sente uma angústia que rapidamente se transforma em impotência, que se transforma em estresse, que se transforma num câncer, que se transforma no mais completo vazio. É possível que haja saídas para os que queiram encontrá-las. Por enquanto só as vislumbro no Himalaia, na Patagônia, no Alaska...