Começando o ano de verdade

Quando o assunto é início efetivo do ano, o Brasil é mesmo um país diferente. Embora aparentemente a maior parte das atividades profissionais tenha início a partir do dia 2 de janeiro, na prática a engrenagem total da maioria dos brasileiros só começa a funcionar depois que termina a Folia de Momo. Exageros à parte, o calendário brasileiro poderia perfeitamente ser dividido em a.C. (antes do Carnaval) e d.C. (depois do Carnaval).

Não se trata de qualquer desdém com essa nossa tradição cultural, até porque ela é forte o bastante para mover as poderosas indústrias do turismo e do entretenimento. É tão-somente uma constatação de que na cabeça das pessoas isto ganha uma dimensão que ultrapassa qualquer noção de mercado ou economia. A verdade é que o Carnaval é aguardado como uma espécie de marco zero para tudo o que vem depois: seja para o empregado dar todo o "gás" no seu trabalho cotidiano, seja para o desempregado começar a procurar emprego ou mesmo para cada um começar a correr atrás do que planejou fazer no Ano Novo.

Os cinco dias de festa (bem mais do que isso no caso de Salvador e Olinda) lavam a alma dos brasileiros, mas os deixam com uma estranha sensação de que o dia-a-dia poderia ser assim também. Mas não é. Daí aquela velha preguiça que avança pela quarta-feira de cinzas e pela quinta e sexta com o fogo em visível baixa. Até os que fogem da folia e se escondem na tranquilidade de algum refúgio são contaminados por isso. Tirando o tempo para o descanso, que sempre é bom, a sensação de impotência diante do recomeço é algo visível.

Ao que tudo indica, mesmo passado o Carnaval, só na próxima segunda-feira tudo voltará ao normal. Afinal, o fim de semana está aí e não se pode perder o desfile das escolas de samba campeãs do Rio de Janeiro. Nem o Carnaval da ressaca em Salvador...

Tudo bem que é preciso contabilizar o rombo nas finanças pessoais em função das farras e das viagens, mas não é hora para se pensar nisso, já que ainda tem cerveja na geladeira e as rádios continuam tocando muita axé music. Abrir jornal? Somente se for para saber das notícias e ver as fotos que marcaram a festa de norte a sul. Um artigo como este, nem pensar! Aliás, pensar agora é algo inconcebível. Como se costuma dizer, Tico e Teco estão de férias no cérebro.

Aventando a hipótese de que alguém se atreverá a ler este texto, é bom deixar claro que ele não é contra nem a favor do Carnaval. É apenas um registro de que o ano está prestes a começar de fato e que já é hora de colocar o despertador para antes das sete. É também uma forma de (me) lembrar que há muito que fazer e que águas passadas não movem moinhos. Um consolo para os que ainda não acreditaram que tudo voltará ao normal; pensem como um radialista otimista lá do interior da Bahia após o fim da festa da padroeira (a principal da cidade): "daqui a 365 dias teremos tudo outra vez".