CNBB contra o BBB
Há muitos anos (quase os mesmos onze de existência do Big Brother Brasil, o BBB) eu escrevo textos manifestando a minha visão sobre a pobreza deste modelo de reality show. Nele, pessoas são enclausuradas em casas e até fazendas, vivendo intrigas vazias, azarações repetitivas e cenas de sexo implícito e explícito, enquanto rios de dinheiro movimentam a indústria do entretenimento.
Especifico esse modelo porque há, sim, alguns formatos de reality show bastante interessantes, como o Fama, programa da Globo que em 2005 projetou para todo o Brasil a cantora e compositora baiana Verônica Bonfim, que fez graduação, pós-graduação e iniciou sua carreira musical em Viçosa-MG. A proposta de dar espaço aos novos talentos da música brasileira era tão interessante e de tão alto nível que não caiu no gosto popular, mais propenso a brigas previsíveis e a corpos sarados, prontos para as revistas e sites de nus masculinos e femininos. Claro, o Fama não foi mais reeditado.
Na semana passada uma nota divulgada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) questionou os rumos da TV brasileira em privilegiar o que a entidade chamou de baixo nível moral verificados em alguns programas, em especial nos reality shows. Mencionando também o lado positivo da TV, representado pelos vários programas que têm sido objeto de reconhecimento explícito por parte da Igreja, com a concessão anual do Prêmio Clara de Assis para a Televisão, a nota da CNBB foca seu ataque nos “programas que têm o lucro como seu principal objetivo e atentam contra a dignidade da pessoa humana, tanto de seus participantes, fascinados por um prêmio em dinheiro ou por fugaz celebridade, quanto do público receptor, que é a família brasileira".
Talvez alguns até digam que crítica assim, vinda de uma entidade religiosa, seja mero moralismo ou uma visão conservadora de mundo. No entanto, há valores que são (ou, ao menos, deveriam ser) atemporais e serão sempre atuais em qualquer época. Da mesma forma que os xingamentos e ataques pessoais num processo eleitoral abaixam o nível do debate de ideias (o que realmente importa), programas vazios de conteúdo, como o BBB, só reforçam os valores que jamais deveriam ser o centro das atenções.
Certa vez lá na Bahia vi uma família inteira cantar e bater palmas para uma criança de pouco mais de 5 anos que rebolava em cima de uma garrafa, colocada ao chão. Na ocasião o sucesso do verão era a terrível “Na boquinha da garrafa”, interpretada pelo não menos terrível grupo “É o Tchan!”. Como já se passaram quase dez anos desde então, nunca pude saber se aquela família ainda manifesta o mesmo entusiasmo ao ver a agora adolescente em situação parecida. Somos todos responsáveis pela educação das novas gerações...
Ao condenar programas nos moldes do BBB, a CNBB evoca todas as partes envolvidas: as emissoras de TV, o Estado (responsável pela concessão do direito de transmissão), os anunciantes e agentes publicitários e, principalmente, a família e a escola. “Aos pais, mães e educadores, atentos a sua responsabilidade na formação moral dos filhos e alunos, sugerimos que busquem através do diálogo formar neles o senso crítico indispensável e capaz de protegê-los contra essa exploração abusiva e imoral”, ressaltam os bispos em um dos trechos.
Vivemos uma época bastante confusa em termos de valores humanos. Cada vez mais as pessoas valem menos pelo que são interiormente. Em contrapartida, o que têm – seus bens materiais, seu dinheiro e seu “corpo sexual” – não para de se valorizar enquanto moeda de troca. Resta saber o que verdadeiramente queremos para os adultos do futuro.