O renascer de todo dia
Para muitos o Natal é uma data triste, embora as justificativas apresentadas para esta tristeza quase sempre estão relacionadas à percepção do abandono de milhões de pessoas, privadas dos tradicionais presentes e das fartas ceias. Este, infelizmente, é um lado do chamado Natal comercial, que cria um roteiro de convenções repletas de gastos e consumos inacessíveis à maioria. De fato, milhões ficam de fora da fartura que, cada vez mais cedo no calendário anual, envolve o período natalino.
Se as pessoas se esforçassem em abstrair esse Natal da troca de presentes e dos jantares com cardápios caros, veriam que o seu simbolismo é um presente grandioso. Saberiam que é uma época de acolhimento, e não de desamparo.
Após mais de dois milênios, o nascimento de Jesus continua tendo a mesma força. Não sei se a humanidade noutras épocas se sentia tão ameaçada e desesperançada como nos dias de hoje. O que é certo é que a vinda de Cristo representou e continua representando a chama da esperança. O mesmo vale para o sofrimento que envolveu a sua morte, relembrada na Semana Santa. Ali Jesus deixou claro que a esperança continua acesa para o espírito, destinado ao renascimento. Assim, vida e morte, nascimento e renascimento são as duas faces de uma mesma moeda.
Esse tema é bem abordado no filme “Encontro Marcado”, que conta a história de Will (interpretado por Anthony Hopkins), um milionário do ramo das comunicações que está prestes a completar 65 anos. Ele, que sempre teve o controle de tudo e de todos ao seu redor, se vê diante da morte, personificada em um jovem (Brad Pitt) aparentemente comum e muito longe da figura macabra da caveira com túnica e foice.
A morte, então, decide conhecer de perto o mundo e as paixões humanas e escolhe o milionário para ciceroneá-lo, em troca de mais algum tempo de vida. Cara a cara com a “encarnação do fim”, Will se convence de que é necessária uma reavaliação de sua própria vida, diante de um fato que não pode evitar. No entanto, a grande surpresa fica para o próprio ceifador, que se apaixona perdidamente pela filha do magnata, interpretada por Claire Forlani. Conhecendo de perto uma das maiores “fraquezas” humanas – o amor, ele é obrigado a também escolher entre ficar neste mundo ou continuar cumprindo a sua árdua missão.
Certas culturas orientais têm na morte uma bênção que deve ser festejada, pois significa a partida para uma escala superior da existência. Esta é uma ideia que ameniza bastante a perda de tudo e de todos que aqui ficam. É difícil para uma pessoa avaliar a si própria e dizer que está preparada para deixar este mundo. Começar pensando que esta aprendizagem é individual, contínua e intransferível pode ser um bom começo.
Quando assimilamos esses conceitos estamos dando um passo importante para lidar com os obstáculos que encontramos diariamente em nossas vidas (inclusive, aqueles colocados por nós mesmos). Um deles tem a ver com os sentimentos de tristeza e culpa que o Natal costuma despertar em algumas pessoas. É uma grande bobagem levar a sério as circunstâncias que não nos permitem dar presentes ou comprar os ingredientes da tradicional ceia. O que vale de verdade é a percepção do simbolismo do nascimento de Jesus; a certeza de que ele é um presente de valor incalculável para toda a humanidade.