Sonhos abortados
Décadas a fio seduzindo pessoas não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro, o tal “american dream” tem sido um pesadelo para incontáveis imigrantes, principalmente os latino-americanos. Tragédias como a recente chacina no México revelam do que são capazes os que continuam a acreditar no sonho de uma vida melhor.
Desde que foram reveladas as identidades dos dois mineiros que estavam entre os 72 assassinados pela máfia mexicana procurei me informar sobre os bastidores de suas vidas. Vi que Hermínio Cardoso dos Santos, de 24 anos, e Juliard Aires, de 19 anos, eram amigos de infância que planejavam ganhar dinheiro no exterior para um dia regressarem à terra natal como vencedores.
Eles não temiam o trabalho pesado nem a grande distância que os separaria de suas famílias, deixadas nas zonas rurais dos pequenos municípios de Sardoá e Santa Efigênia de Minas. A barreira da língua não era vista como problema nem os conhecidos obstáculos da travessia do México para os Estados Unidos. Hermínio e Juliard realmente acreditavam que entrariam na cobiçada terra do Tio Sam, ainda que sem convite e pela porta dos fundos.
Os pais de Hermínio, pobres agricultores, disseram à imprensa que tiveram que se endividar para conseguir os quase 25 mil reais exigidos pelos agenciadores brasileiros para colocar o rapaz dentro dos Estados Unidos. O mesmo valor foi levantado pelos pais de Juliard para que ele acompanhasse o amigo naquela que seria a maior aventura de suas vidas.
Embora as tragédias pareçam fortuitas para a compreensão racional, a que se abateu sobre os dois jovens mineiros tem algo em comum com a que tirou a vida de Jean Charles de Menezes – assassinado em 2005 pela Polícia no metrô de Londres, sob o argumento de ele que foi confundido com um terrorista. Jean Charles era mineiro de Gonzaga, cidade próxima a Santa Efigênia de Minas. Ele um dia também sonhou em vencer em terras estrangeiras. Ele também acreditava ser possível dar aos pais humildes uma vida mais digna.
Lembro-me de uma conterrânea baiana, uma amiga de adolescência, que há quase duas décadas reside nos Estados Unidos, hoje como cidadã norte-americana, por ter se casado com um estadunidense. No início dos anos 90 ela seguiu os passos da irmã mais velha, que entrou naquele país como babá de um casal brasileiro de doutorandos. Minha amiga fez algo parecido, abrindo espaço depois para duas irmãs mais novas.
Todas elas eram de família muito pobre, que, de fato, melhorou muito de vida com os dólares enviados de lá. Com trânsito livre para vir ao Brasil quando quiser, minha conterrânea tem todos os motivos do mundo para dizer que fez a escolha certa em emigrar. Ela diz textualmente que, mesmo com a crise econômica que vem afetando duramente os Estados Unidos nos últimos anos, o american dream é uma realidade, principalmente se comparado à falta de sonhos que continua fazendo parte do cotidiano de milhões de brasileiros como Hermínio e Juliard.