POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Décima oitava viagem)

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Décima oitava viagem)

Rangel Alves da Costa*

Quando foi desmembrado de Porto da Folha e foi elevado à categoria de município, Poço Redondo era termo de Gararu. Quer dizer, fazia parte da circunscrição judiciária da qual Gararu era comarca. Para não deixar dúvidas, comarca é a divisão geográfica feita pelo Poder Judiciário para definir a área pela qual cada juiz é responsável. Há comarcas que abrangem mais de um município.

Com efeito, a Lei estadual nº 554, de 6 de fevereiro de 1954, que fixa a divisão administrativa e judiciária para o qüinqüênio 1954-1958, situa Poço Redondo como distrito único e termo da comarca de Gararu.

Enquanto distrito de Gararu, o juiz eleitoral daquela comarca, Djalma Ferreira de Oliveira, da 25ª Zona, teve muito trabalho com a realização da segunda eleição municipal, na histórica disputa entre Eliezer Joaquim de Santana e José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião.

Nos anais do Relatório da Comissão Apuradora das Eleições de 03 de outubro de 1958 – TRE/SE, constam as seguintes curiosidades históricas, referentes à citada eleição em Poço Redondo:

"PÔRTO DA FOLHA – 25ª Zona

Não se reuniram as 1ª e 3ª Secções do Município de Poço Redondo, por ocasião do pleito de 3 de outubro.

O motivo determinante desse fato foi ter o candidato a Prefeito, naquele município, pelo Partido Social Democrático, sem nenhuma razão que o justificasse, penetrado no recinto das mencionadas Secções e levado consigo o material eleitoral. Fazia-se acompanhar de cêrca de 60 cavaleiros, todos municiados, prontos para qualquer reação. Retiraram, neste momento, as urnas e o material, deixando um marco de sua passagem, ceifando uma vida útil à coletividade".

"Deixaram de reunir-se duas (2) Secções Eleitorais do município de Poço Redondo, da 25ª Zona, e na terceira Secção, localizada no povoado Curralinho, verificou-se grande abstenção, conforme consta da comunicação telegráfica do M.M. Juiz Eleitoral, nos seguintes termos:

- "TRIREGELEI P/PRESIDENTE – ARACAJU – SE – NÃO SE REALIZOU ELEIÇÃO EM POÇO REDONDO, EM BOM SUCESSO, PORQUE CANDIDATO A PREFEITO DAQUELE MUNICÍPIO PELO PARIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO JOSÉ FRANCISCO DO NASCIMENTO – ASSIM DESEJOU Pt HOUVE TODAVIA ELEIÇÃO CURRALINHO COM GRANDE ABSTENÇÃO Pt EM BOM SUCESSO HOUVE MORTE SENDO FUZILADO EMPREGADO DO ATUAL PREFEITO ARTUR Pt CONSULTO SE ÚNICA URNA EXISTENTE DEVERÁ SER APURADA Pt AGUARDO PRONUNCIAMENTO, CORDIALMENTE, DJALMA FERREIRA DE OLIVEIRA – JUIZ ELEITORAL."

Tal comunicação, distribuída como Representação, tomou o nº 52/58 e foi julgada pelo Egrégio Tribunal em sessão de 9 de outubro de 1958, com fundamento no art. 72 do Código Eleitoral. O venerando Acórdão é o seguinte:

"ACÓRDÃO Nº 314/58.

ESPÉCIE – Representação.

PROCESSO Nº 52/58.

"Vistos, relatados e discutidos os presentes autos nº 52/58, procedente de Porto da Folha, em que é representante o Dr. Juiz Eleitoral da 25ª zona, e representado José Francisco do Nascimento, candidato a Prefeito no município de Poço Redondo.

"Isto posto,

"Atendendo a que, in specie, foram observadas as formalidades legais;

"atendendo o que o ilustrado Procurador Regional Eleitoral opina no sentido de que o Egrégio Tribunal determine dia para a realização do pleito em todo o município de Poço Redondo, abrindo-se rigoroso inquérito para apurar as irregularidades registradas no referido município;

"Acordam os Juízes do Colendo Tribunal Regional Eleitoral, por unanimidade, determinar dia para a realização da eleição em todo o município de Poço Redondo, abrangendo, inclusive, o povoado Curralinho, onde houve grande abstenção do eleitorado, considerando-, assim, inexistente a eleição ali realizada.

Aracaju, 9 de outubro de 1958 (aa. J. Rodrigues Nou – Presidente, Serapião de Aguiar Torres – Relator, Carlos Vieira Sobral, Luiz Pereira de Melo, Humberto Diniz Sobral, Aloísio Villas-Bôas e Olavo Ferreira Leite. Presente Osman Hora Fontes – Procurador Eleitoral).

Em sessão da mesma data, o Exmo. Sr. Des. Presidente do Egrégio Tribunal Regional marcou o dia 26 de outubro para a realização das eleições em Poço Redondo. Realizadas nessa data, foram as mesmas apuradas pelo Tribunal e os seus resultados incorporados no presente Relatório, juntamente com os demais municípios da 25ª Zona".

Posteriormente, o distrito de Poço Redondo passou a fazer parte da Comarca de Porto da Folha, quando este deixou de ser distrito de Gararu e passou a ter circunscrição própria, abrangendo o próprio município, Poço Redondo e Canindé do São Francisco.

Contudo, o desenvolvimento do maior município do estado fez com que as lideranças políticas locais começassem a pleitear a criação da comarca no próprio município. E tinham razão os poço-redondonses, pois diante do grande número de litígios de menor porte e ações judiciais mais conflitantes, descabido seria que o magistrado se deslocasse para julgar na sede municipal somente uma vez por semana.

Fato é que no dia 09 de dezembro de 1991, através da Lei Complementar n° 07, originária do governador do estado João Alves Filho, foi criada a Comarca de Poço Redondo, conforme demonstra a legislação transcrita:

"O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE,

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe aprova e eu sanciono a seguinte Lei Complementar nº 07

Art. 1º. Ficam criadas, em 1ª entrância, as Comarcas de Nossa Senhora do Socorro, Poço Redondo e Umbaúba: a primeira, com base territorial e sede no próprio Município a que dá o nome; a segunda, com base territorial nos Municípios de Poço Redondo, onde tem a sua sede, e de Monte Alegre de Sergipe, e a de Umbaúba, com sede e base territorial neste Município e nos Municípios de Santa Luzia do Itanhy e de Indiaroba, bem como os respectivos cargos de Juiz Substituto.

§ 1º. Fica igualmente criada, sob regime oficializado, nas Comarcas de Nossa Senhora do Socorro, Poço Redondo e de Umbaúba, a Serventia de 1º Ofício (...)

6º. As Comarcas do Estado de Sergipe ficam agrupadas em cinco (5) Circunscrições:

5ª Circunscrição: as de Propriá, Aquidabã, Canindé do São Francisco, Cedro de São João, Gararu, Japaratuba, Neópolis, Pacatuba, Porto da Folha e Poço Redondo".

Depois da incessante luta para a criação da Comarca de 1ª Entrância em Poço Redondo, eis que alguns membros do Poder Judiciário, notadamente alguns desembargadores atiçados por juízes em início de carreira (juízes substitutos), certamente feridos pela vaidade confrontando com pobreza sertaneja, começaram a traçar movimentos para extinguir a comarca. Com justificativas as mais absurdas, verdade é que há muito que buscaram formas de afastar o comando jurisdicional estatal daquele município feio, distante e pobre, como muitos alegaram.

A imprensa testemunhou tais tentativas, e é preciso que o sertanejo conheça alguns dos seus conteúdos para ter a noção do que foi tramado contra ele durante tanto tempo. Vejamos:

"O Tribunal Pleno do TJSE analisou na quarta-feira, 22, uma alternativa para não precisar transformar a Comarca de Poço Redondo em Distrito Judiciário. Até então essa era a única forma encontrada para melhorar a difícil situação de prestação jurisdicional no município, motivada pela grande rotatividade de juízes.

A solução veio do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que na terça-feira, 21, editou a Resolução N° 13. Por meio dela, vai ser possível criar uma retribuição para o juiz que trabalhe em Comarcas de difícil provimento, como é o caso de Poço Redondo.

Por isso, a Resolução N° 10/2006, que tratava da mudança da Comarca em Distrito, não vai mais ser enviada à Assembléia Legislativa. Segundo a presidente do TJSE, desa. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, agora será feito um estudo de como será prestada a retribuição ao juiz da Comarca e, assim incentivar que os magistrados que sejam titulares de lá não deixem a Comarca em curtos espaços de tempo" (Fonte: TJSE, 24/03/2006 - www.informesergipe.com).

Verdade é que não haveria necessidade alguma da interferência do Conselho Nacional de Justiça para sanar tal problema. Ora, se o Tribunal de Justiça de Sergipe não tem pulso forte para fazer com que os seus magistrados, sejam substitutos ou não, vão prestar seus serviços jurisdicionais aonde forem designados, também não haveria razão de ser a existência de uma Organização Judiciária do Estado de Sergipe. Bastaria rasgar e perguntar aos magistrados onde acham melhor trabalhar, onde querem ou não prestar seus serviços.

Do mesmo modo, não haveria necessidade alguma de dar incentivos a mais aos juízes "que queiram prestar favores trabalhando em Poço Redondo". Além de ferir o princípio da isonomia salarial – algo que o judiciário deveria saber que existe -, seria vergonhoso para uma instância superior se submeter aos mimos de magistrados descontentes, por exemplo, com a distância do lugar ou porque faz muito calor no município.

Ainda assim, o Poder Judiciário pleiteou junto ao Executivo e este elaborou e promulgou a Lei Complementar nº 129, de 21 de julho de 2006 (Dispõe sobre o teto remuneratório constitucional da Magistratura e dá outras providências):

"O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE,

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe aprovou e que eu sanciono a seguinte Lei Complementar:

Art. 1° Os Magistrados farão jus à percepção das seguintes verbas, que não serão incorporáveis ao subsídio mensal:

I - gratificação para Juiz que atue na comarca de Poço Redondo, considerada de difícil provimento - 12% (doze por cento) do respectivo subsídio mensal;

................................

Art. 2° O juiz que estiver atuando na Comarca de Poço Redondo, titular ou não, perceberá a retribuição mencionada no inciso I, do art. 1°, desta lei, enquanto perdurar o seu exercício, não havendo concessão nas hipóteses de afastamento para fins de férias, licenças e outras previstas em lei".

Mais tarde o Estado de Sergipe modificou esta lei, vez que a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB entrou no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Não deixou de existir, contudo, o pagamento de gratificação por difícil provimento aos juízes que atuavam na comarca. Entretanto, em 2009 mais uma vez começaram a surgir os boatos sobre a extinção da Comarca de Poço Redondo. Verdade é que o presidente do TJSE, Desembargador Roberto Porto, através do Projeto de Lei Complementar nº 04/90, encaminhado para apreciação da Assembléia legislativa, fez de tudo para obter a extinção. A imprensa largamente noticiou sobre o fato:

"O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, desembargador Roberto Porto, quer extinguir a Comarca de Poço Redondo e o respectivo cargo de juiz de direito de entrância inicial, passando a sua sede à condição de distrito judiciário da Comarca de Canindé do São Francisco. Projeto de Lei nesse sentido já está em tramitação na Assembléia Legislativa.

O PLC extingue a Comarca de Poço Redondo, modifica a competência de varas e juizados na Comarca de Aracaju, altera a Divisão Judiciária do Estado. Ainda de acordo com o PLC, o Distrito Judiciário de Monte Alegre passa a pertencer à Comarca de Porto da Folha. O projeto cria a 2ª Zona Imobiliária da Comarca de Canindé do São Francisco, correspondente ao território do município de Poço Redondo, pertencente ao 2º ofício do referido distrito, e extingue o 2º Ofício do Distrito Judiciário de Poço Redondo, quando de sua vacância se não houver interessados em concurso de remoção ou ingresso, hipótese em que também será extinta a 2ª Zona Imobiliária de Canindé e transformando o primeiro Ofício em Ofício Único" (Jornal do Dia, 16/06/2009).

Na exposição de motivos acompanhando o projeto, o Presidente do Tribunal de Justiça, Dr. Roberto da Fonseca Porto explica que: “A Comarca de Poço Redondo não tem sido atrativa aos juizes que exercem o direito de pleitear remoção assim que possível. A distância da Capital, condições sociais e econômicas precárias, grande extensão e não existência de jurisdição eleitoral própria são alguns dos elementos que concorrem para esse desinteresse. Em um mesmo período o número de juizes titulares de Poço Redondo foi praticamente três vezes maior do que o número de titulares de Canindé. Tal situação não foi afastada mesmo após a concessão de gratificação por difícil provimento pela Lei Complementar Estadual no. 129. A Comarca de Canindé do São Francisco também sofria com a alternância de titulares, o que cessou com a sua elevação à entrância final, sendo ela desde então titularizada por juizes promovidos, mais experientes, portanto e com interesse concreto e imediato na carreira. Diante disso, a proposta mantém Canindé classificada na entrância final, a despeito de permanecer com um único juiz, que passará também a ser responsável por Poço Redondo, que passa a condição de Distrito judiciária. A relativamente reduzida demanda registrada em Canindé e em Poço Redondo, viabilizam tal propositura. A idéia não se esgota nesse ponto que já se propõe aumento da estrutura de assessoria ao juiz e há compromisso entre presidência do Tribunal e Corregedoria-Geral de Justiça para que os distritos de Poço Redondo e Monte Alegre permaneçam em regime especial, com juiz substituto especialmente designado e estrutura adequada, por tempo suficiente a trazer o resíduo processual a níveis razoáveis”.

E o Desembargador Roberto Porto disse ainda que "Eu trabalho com números. E estes dizem que Poço Redondo não pode continuar como Comarca, pelo baixo número de processos.” A Comarca de Poço Redondo recebe hoje em torno de 700 a 800 processos, quando o número ideal é de pelo menos dois mil processos mensais. A Comarca de Canindé recebe hoje este número de processos, com os que vierem de Poço Redondo ficará em torno de 3 mil processos, o que é um número ideal. Ademais, Poço Redondo é Comarca de entrância inicial. Assim, o juiz nomeado para aquele recanto, basta ter vaga em outra entrância, já pede remoção. “Com menos de 15 dias já tem juiz de lá pedindo remoção. Só para se ter uma idéia, há comarcas que passam anos – 5, 8, 9 anos – com o mesmo juiz. Mas, a Comarca de Poço Redondo teve mais de 30 juizes em pouquíssimo tempo".

Havendo a extinção, Poço Redondo passaria a ser distrito de Canindé do São Francisco e o fórum local passaria a receber a visita do juiz duas vezes por semana. Contudo, no dia da votação do Projeto de Lei Complementar, a 14/07/2009, o artigo que tratava da extinção da comarca de Poço Redondo foi retirado e ela permaneceu existindo. Assim, contra o desejo do Desembargador Presidente do TJSE, prevaleceu a sensatez dos senhores deputados ao considerar aquela pretensão uma verdadeira afronta ao sertanejo de Poço Redondo. Sensatez que não nasceu de graça, senão da pressão do próprio homem do sertão.

continua...

Poeta e cronista

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