Os intocáveis
“Se você tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades, teria ouvido as verdades que eu insisto em dizer brincando. Falei muitas vezes como um palhaço, mas nunca duvidei da seriedade da platéia que sorria”. Esta é uma das muitas frases atribuídas a Charles Chaplin – um verdadeiro gênio do cinema humorístico.
Ela é perfeita neste momento em que humoristas de todo o Brasil protestam contra a Lei Eleitoral 9.504/97, que proíbe as emissoras de TV ou de rádio de “usarem trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito”.
Essa lei continuar em vigor 25 anos após o fim da ditadura militar chega a ser uma ironia, além de uma afronta aos tempos de liberdade de expressão em que vivemos, totalmente respaldados pela própria Constituição Federal. Fato é que o ser humano é mesmo risível em quaisquer de suas condições existenciais, quanto mais quando assume um papel que poucos conseguem levar a sério. Não que a política não seja séria em sua essência, mas a que vemos explícita em nosso cotidiano é sempre um ótimo mote para as melhores piadas.
Aquele que não consegue rir de si mesmo não tem senso crítico suficiente para lidar com os grandes problemas que desafiam a humanidade. Países que alcançaram um patamar mais elevado nos campos da cidadania e da liberdade de expressão têm nos programas de humor um inestimável fórum para reflexões críticas sobre os mais diversos temas, inclusive a política. Quem acompanha as eleições gerais nos Estados Unidos, por exemplo, sabe que os próprios candidatos fazem questão de ir aos principais programas humorísticos para longas entrevistas, recheadas de piadas e “saias justas”.
No Brasil, ao contrário, os nossos “intocáveis” candidatos foram buscar respaldo legal para a sua postura “dodói” diante de críticas bem humoradas. Eles são dignos da trama que envolve o livro (que gerou o filme) “O Nome da Rosa”, de Humberto Eco. Nele há personagens que abominam tanto o riso que são capazes até de matar para censurá-lo.
Durante uma passeata realizada no Rio de Janeiro no domingo passado, dezenas de humoristas dos principais canais de TV do Brasil fizeram o seu protesto e conseguiram o apoio da opinião pública. Filho de um dos humoristas mais geniais de todos os tempos (Chico Anísio), Bruno Mazzeo resumiu bem (e no melhor estilo que representa) o despropósito dessa lei: “é como se proibissem falar de futebol em época de Copa do Mundo”, disse ele.
Em vez de tentarem amordaçar o bom humor, nossos políticos deveriam, sim, reforçar leis eleitorais que proibissem carros de som nas ruas, com propagandas de candidatos em volume altíssimo e com uma constância próxima da lavagem cerebral. Neste caso também só o humor salva. Pelo menos este é o caminho escolhido por um amigo que adora fazer versões bem humoradas para os jingles dos candidatos. “Se é para guardar as musiquinhas chatas que os carros de som tocam, ao menos eu fico com a minha versão”, costuma dizer ele, cantarolando as várias que coleciona de eleições passadas.
Para terminar, mais uma pérola de Charles Chaplin sobre o tema: “eu continuo sendo apenas um palhaço, o que já me coloca em nível bem mais alto do que o de qualquer político.”