POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Sétima viagem)
POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Sétima viagem)
Rangel Alves da Costa*
Como observado linhas atrás, os dados fornecidos pelo IBGE correspondem aos anos 50. Desse modo, considerando-se ainda como prevalecentes apenas os aspectos históricos e geográficos, no demais o que se observou ao longo dos anos foi uma sensível modificação. Até o tamanho territorial do município foi se modificando ao longo dos anos: 952 km² nos anos 50 (IBGE), 1.119 km² até os anos 80; após 1.202 km²; e atualmente 1.212 km² (dados mais recentes do IBGE). Há ainda documentos que citam 1.220 km². Que se norteie, então, pelos últimos dados oficiais do IBGE.
Outro fato interessante diz respeito à correta data da emancipação política do município. Segundo os dados oficiais contidos no documento elaborado pelo IBGE, "pela Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953, Poço Redondo recebe a categoria de cidade e sede do município do mesmo nome, desmembrado do de Porto da Folha". A data da emancipação seria então no dia 23 de novembro, como aliás vem sendo observado nas comemorações.
Contudo, o pesquisador e historiador Alcino Alves Costa, ex-prefeito do município por três vezes, em artigo publicado no Jornal da Cidade (26/02/2010), intitulado "Poço Redondo desconhece a data da sua emancipação", procura provar que a data deve ser comemorada a 25 de novembro. E expõe sua convicção nos seguintes termos:
"É inacreditável e inaceitável que um município em qualquer parte do Brasil e do mundo não saiba a data exata de sua emancipação. Pois é, leitor amigo, Poço Redondo não sabe. A dúvida persiste desde muitos anos. O município de Poço Redondo foi emancipado em 23 de novembro ou 25 de novembro de 1953?
Teimo em afirmar e reafirmar, respaldado pelos documentos da época, inclusive a Lei que emancipou 19 municípios e dentro deles, o nosso Poço Redondo, que a data correta é aquela de 25 de novembro de 1953. Mas, infelizmente, as autoridades de agora e de antes não aceitam essa verdade cristalina e absoluta.
O impasse continua. Poço Redondo foi emancipado através da Lei nº 525-A de 25 de novembro de 1953, ou 23 de novembro de 1953? Qual a Lei mais forte? A do Estado ou a do Município?
No Diário Oficial de Sergipe, datado de 10 de dezembro de 1953, está escrito e registrado com todas as letras:
Lei nº 525-A – De 25 de Novembro de 1953
Dá nova redação ao Capítulo I, da lei nº 118, de 29-12-1948 (Lei Orgânica dos Municípios), e dá outras providências.
O Governador do Estado de Sergipe:
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - O Capítulo I, da lei nº 118, de 29-12-1948 (Lei Orgânica dos Municípios) compreendido pelos artigos 1 a 19 passa a ter a seguinte redação:
Capítulo I
Do município, seu território e criação.
No art. 2 está escrito:
Ficam criados os Municípios de Carira, Barra dos Coqueiros, Pacatuba, Umbaúba, Poço Verde, Tomar do Geru, Itabi, Malhador, Pedrinhas,Monte Alegre, Poço Redondo, Curituba e outros. Num total de 19 municípios emancipados.
E por que as autoridades de Poço Redondo não aceitam o dia de 25 como a data correta e definitiva da emancipação de seu município?
Em 1990, por ocasião da criação da Lei Orgânica do Município de Poço Redondo, não se sabe por qual motivo, os vereadores de então, no artigo 15 que trata dos feriados municipais, no capítulo II, assim documentou: “Emancipação Política – Dia 23 de novembro”.
É de se perguntar. Por que desde 1990 esse terrível equívoco existe em nosso município e ninguém tem nenhum interesse de reparar esse lamentável engano que no mínimo deslustra a inteligência dos filhos e das autoridades constituídas de Poço Redondo?
Nos próximos meses haverá um concurso público em nosso município. Espero em Deus que não se pergunte sobre o dia da emancipação de Poço Redondo. Seria uma insensatez e uma falta de respeito muito grande para com aqueles que almejam alcançar êxito em seus objetivos e vê seus sonhos de vitória se esboroar justamente por ter respondido certa a pergunta do dia da emancipação de Poço Redondo.
Não acredito que tamanha barbaridade venha acontecer. Tenho convicção da lisura de nosso prefeito Frei Enoque. Sei que ele jamais iria compactuar com uma crueldade desta. Ainda mais. Espero ardentemente que o senhor prefeito e os vereadores deem fim a esse impasse. O dia 23 de novembro não pode ser contemplado como o dia da emancipação de Poço Redondo.
Até que se pode festejar e comemorar a emancipação neste dia, o dia 23, porém dizer-se oficialmente que é esta a data exata da emancipação é uma afronta à nossa inteligência.
Poço Redondo não pode ficar com duas datas. Aquela desculpa de que o dia 23 de novembro obedece aos ditames da Lei Orgânica do Município de Poço Redondo, aquela de 1990, é simplória e chega até a beirar o ridículo. Todos sabem que uma Lei Municipal não tem forças e nem poderes para derrubar uma Lei Estadual. O estranho e o inadmissível é que as autoridades de ontem e de hoje preferem o dia 23. Por quê? Não sei. O que eu sei é que não se pode entrar em desacordo total para com a história de Poço Redondo e a Lei Estadual assinada pelo governador Arnaldo Rollemberg Garcez e seus auxiliares, Acrisio Cruz, Antônio Carlos do Nascimento Junior e Pedro Barreto de Menezes.
Senhor prefeito! Senhores vereadores! Normalizem esta situação. Os filhos de Poço Redondo precisam saber ao certo a data do real nascimento de seu município".
O embate convicto de Alcino Alves Costa, respaldado na legislação supramencionada, possui fundamento. Não se pode modificar a lei ao grito das paixões partidárias. Assim, verdade é que a data da emancipação foi modificada para atender a interesses políticos. Contudo, até que se contorne a situação, e para todos os efeitos, atualmente a data da emancipação é 23 de novembro de 1953. Até mesmo porque na Lei Orgânica do Município de Poço Redondo, no seu artigo 15, diz ser esta a data, prevendo até feriado em comemoração.
Voltando às outras contradições ainda existentes, tem-se que mesmo os aspectos históricos relatados naquele antigo documento foram sendo contestados, em alguns pontos, pelos pesquisadores e historiadores. Exemplo dessas contradições podem ser vistas na "História dos Municípios", publicado pela semanário Cinform (Aracaju, 2002), onde o tópico dedicado ao município de Poço Redondo está entremeado pelas duas versões: a do IBGE (cujos dados serviram para elaboração da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, citada no texto), elaborada por Enéas de Oliveira Figueiredo, e a mais recente e mais divulgada, produzida por Alcino Alves Costa.
Eis o que diz o matéria do Cinform, de autoria da jornalista Carla Passos, publicada originalmente na edição 962 (Aracaju, 17 a 23 de setembro de 2001):
"O município de Poço Redondo, a 185 quilômetros de Aracaju, já pertenceu a Porto da Folha. As primeiras penetrações na localidade datam de fins do século XVII, quando se intensificava a colonização na região instituída pelo fidalgo dom Antonio Gomes Ferrão Castelo Branco. Além de Poço Redondo, Gararu e Canindé também faziam parte desse mesmo território.
De acordo com Alcino Alves Costa, que está escrevendo o livro ‘Poço Redondo, a saga de um povo’, alguns aventureiros e caçadores da região começaram a se estabelecer às margens do Riacho Jacaré. Eles construíam pequenas moradias e foram surgindo os currais e fazendas, já que as terras não tinham donos.
“Nasceram as pequenas propriedades como o Recurso, China do Poço, Monte Santo, Riacho Largo, entre outras. Dois caboclos se destacaram na edificação de fazendas naquele bruto sertão: Manoel do Brejinho e Julião Nascimento, pai de Zé de Julião, que foi para o bando de Lampião”, diz um trecho do livro ainda inacabado.
Anos depois, as terras de Poço Redondo também começavam a ser descobertas pelos grandes fazendeiros, que se interessaram em criar gado no local.
Alcino diz ainda que no final do século XIX, uma família vinda da região de Rosário do Catete chegou ao Sertão do São Francisco com o objetivo de curar familiares que tinham enfermidades e precisavam de clima seco. O chefe da expedição, Manoel Cardoso de Sousa, se agradou e começou a construir moradia no lugar que passou a se chamar Poço de Cima.
“Logo, no lugar que nasceu forte, já existiam casa grande, igreja, senzala, escravos, vivendas dos colonos e currais. Tudo era uma inesperada e grandiosa novidade que deixava os nativos atônitos e admirados. Tudo ali era diferente dos costumes da sertanejada caipira que não conhecia outro mundo que não fosse o mato, as veredas, a vaqueirice e a caça. E os chamados ‘Sousa’ se tornaram senhores respeitados em toda a região”.
Até então os moradores da beira do Jacaré tinham casas separadas umas das outras, mas resolveram seguir o exemplo do Poço de Cima e se agruparam em um único lugar. “A idéia foi de Luís da Cupira, uma espécie de líder daquela gente. O local escolhido era um descampado situado a um quilômetro da grande fazenda. Em pouco tempo, vinte casas já estavam prontas e o lugar passou a se chamar Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo”, informa Alcino.
No final do século XVIII, Poço de Cima começa a decair e os Sousa resolvem construir residências no Povoado Poço Redondo, no entanto, quando alguém da família morria, era levado para ser enterrado na frente da capelinha existente na povoação anterior.
De acordo com a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, a cidade de Poço Redondo nasceu a partir de 1902, quando Manoel Pereira, estabelecido com fábrica de descaroçar algodão no arraial de Poço de Cima, resolveu transferir seu estabelecimento para Poço Redondo. “Essa mudança influiu fortemente no espírito de diversos habitantes de Poço de Cima que, afinal, seguiram o exemplo de Manoel Pereira, mudando também suas casas para Poço Redondo, nome que lhe veio do fato de situar-se em local semicirculado pelo Riacho Jacaré”.
Mas segundo as pesquisas de Alcino Alves Costa, a história não aconteceu bem assim. “Manoel Pereira jamais residiu em Poço de Cima e nem tampouco possuía uma fábrica de descaroçar algodão na propriedade dos ‘Sousa’. Sua fabriqueta foi instalada inicialmente nos fundos de sua casa, construída em Poço Redondo”, discorda ele.
Com o decorrer dos anos, o crescimento de seus primeiros habitantes, ajudado pela emigração dos que vieram tentar a vida cultivando suas terras, torna Poço Redondo um povoado promissor, com feira livre concorrida e comércio próspero. Entretanto, tais fatores sempre foram dificultados pelas prolongadas estiagens que castigam a região.
Nova cidade: Pela Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953, Poço Redondo é elevado à categoria de cidade. A instalação do município deu-se em 6 de fevereiro de 1956, tendo como primeiro prefeito Artur Moreira de Sá, eleito com os cinco vereadores em 3 de outubro de 1954.
Apesar da seca que assola Poço Redondo, o município tem lugares que valem a pena ser conhecidos, mas há dificuldade de acesso, como a grota de Angico, onde Lampião morreu; o Morro da Letra, nas proximidades do Povoado Santa Rosa do Ermírio, cujas inscrições pré-históricas, em coloração avermelhada, ainda hoje não foram decifradas; e a Serra da Guia, com 750 metros de altura, na divisa com o Estado da Bahia, sendo o ponto mais elevado de Sergipe.
Povoado abandonado duas vezes: A história de Poço Redondo mudou totalmente na época do cangaço. Antes um lugar tranqüilo, transformou-se praticamente em um campo de batalha. A história conta que 34 filhos de Poço Redondo acompanharam o bando de Lampião e foi na gruta de Angico, que hoje pertence ao município, que em 1938 Lampião e Maria Bonita, junto com outros nove cangaceiros, foram mortos por uma volante alagoana.
De acordo com Alcino Alves, dois acontecimentos do cangaço marcaram profundamente a vida dos habitantes de Poço Redondo. “Nenhum lugar, na vastidão dos campos sertanejos, viveu agonia tão grande e provações tão gigantescas como o pequenino núcleo das brenhas do Riacho Jacaré”. Por duas vezes, toda a população do povoado abandonou suas casas com medo da violência dos cangaceiros e da volante. Esses acontecimentos ficaram conhecidos como ‘As Carreiras’. “Aquela vidinha sem novidades e aborrecimentos tinha se acabado. Todas as desgraças e horrores começaram a aparecer, atingindo cruelmente as famílias e habitantes daquele abandonado pedaço de Sergipe”. O primeiro assassinato em Poço Redondo aconteceu em 1932. Santo da Mandassaia foi morto cruelmente por Corisco. A população não entendia por que tiraram a vida de um homem tão pacífico. Assustados, todos os moradores do povoado deixaram suas casas e foram morar em Curralinho, um povoado à beira do Rio São Francisco. Em Poço Redondo não ficou um só morador.
Os militares decidiram que a povoação abandonada seria um ponto estratégico para o combate ao cangaço, porque de lá poderiam chegar com mais facilidade a pontos escondidos da região. Dez soldados, comandados pelo sargento Alfredo, se estabeleceram no local e, sabendo disso, a população que havia se mudado para Curralinho volta para suas casas. Apesar da presença dos militares, os moradores de Poço Redondo continuaram morrendo. Em 1937, revoltados porque os soldados mataram o cangaceiro Pau Ferro, os bandidos assassinam os soldados Tonho Vicente e Sisi. Segundo conta o livro de Alcino Alves, os cangaceiros mandaram um recado garantindo que iriam invadir a vila de Poço Redondo. “O pavor tomou conta de todos. A tropa que guarnece no lugarzinho se acovarda. Sem que ninguém esperasse, os militares que trabalhavam no povoado tinham que se apresentar imediatamente no quartel de Propriá. Apavorados pela falta de segurança, os moradores se reuniram e decidiram deixar novamente o povoado, voltando para Curralinho. Talvez um caso único na história do cangaço e na vida da gente sertaneja”.
Em 1938 choveu muito na região. “Aquela vidinha às margens do Velho Chico estava por demais enfadonha e maçante. Eles precisavam plantar, porém as roças ficavam nos arredores de Poço Redondo. Alguns decidiram se arriscar. Em junho desse mesmo ano, perto do Curralinho, no riacho do Angico, o incrível Lampião caiu, vencido pelas balas da volante do tenente João Bezerra da Silva. O cangaço morreu. O povo sofrido e desterrado de Poço Redondo não tinha mais o que temer. As famílias podiam retornar e reconstruir o arruinado povoado que tanto amavam”.
continua...
Rangel Alves da Costa
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