POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Sexta viagem)

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Sexta viagem)

Rangel Alves da Costa*

A formação histórica de Poço Redondo, contudo, possui nuances que vão além dos documentos e escritos confeccionados até o presente momento. Não possui ainda, pode-se afirmar, um preciso contexto histórico definido pelas realidades envolventes que permitiram a sua formação. Há, por exemplo, discordâncias sobre os primeiros povoadores, sobre famílias e nomes que adentraram o sertão para gerar as primeiras sementes do povoamento. A origem dos primeiros exploradores das matas virgens sertanejas também ainda não está consensualizada.

Contudo, a partir do instante em que o primeiro núcleo de povoação, que foi no Poço de Cima, já estava organizado, então os relatos passam a corresponder a uma verdadeira cronologia histórico/sertaneja, com os feitos dos desbravadores e suas gerações, com as constantes secas que se abateram sobre o lugar, com a transferência da povoação para o Poço de Baixo (mais tarde Poço Redondo), com as lides cangaceiras nas suas terras, com a luta dos seus moradores para o desmembramento do município de Porto da Folha, com a efetiva emancipação alcançada, com as primeiras disputas eleitorais, com as consequencias tristes dessas disputas e com os caminhos de lutas e sacrifícios até chegar aos dias atuais.

Mesmo diante dessas dificuldades de se delimitar com precisão os fatos envolvidos e os seus personagens, alguns documentos principais servem de base para se entender a formação histórica de Poço Redondo. O primeiro desses documentos é um livro produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, denominado "História dos Municípios Brasileiros" Rio de Janeiro: IBGE, 1959); o segundo é um livreto produzido pelo mesmo IBGE em 1984 como parte da Coleção de Monografias Municipais (nº 162); o terceiro é um livro de autoria do pesquisador e historiador poço-redondense Alcino Alves Costa, denominado "Lampião Além da Versão – Mentiras e Mistérios de Angico" (Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe, 1994), onde a história do município se entrelaça aos fatos cangaceiros então relatados; e por último outro livro de Alcino Alves Costa, intitulado "Poço Redondo – A Saga de um Povo" (Aracaju: Editora Diário Oficial, 2009), este totalmente voltado para o relato e análise dos fatos históricos que envolvem Poço Redondo desde os seus primórdios.

Desse modo, tem-se que praticamente tudo que é encontrado atualmente sobre a história de Poço Redondo está baseado nas referidas obras, merecendo mencionar que muitos textos e reportagens foram elaborados e publicados a partir das informações contidas no livro "Poço Redondo – A Saga de um Povo" mesmo antes do mesmo ser publicado, vez que o seu autor sempre procurou disponibilizar aos jornalistas, pesquisadores e interessados o seu vasto material de pesquisa.

Contudo, para efeito de proporcionar a mais ampla compreensão possível sobre o processo de formação de Poço Redondo, mencionaremos neste trabalho aqueles que nos assoma como mais importantes, principiando pelos relatos repassados pelo IBGE no seu "História dos Municípios Brasileiros" (Elaborado por Enéas de Oliveira Figueiredo, Estatístico-Auxiliar da I.R. de Sergipe. Agente de Estatística do Município: José Rodrigues de Melo). Eis o que diz o texto:

"HISTÓRICO – As primeiras penetrações datam de fins do século XVII e começos do XVIII, quando se intensificava a colonização da região de Porto da Folha.

O território de Poço Redondo foi um, dentre outros, como Gararu, Porto da Folha e Curituba (hoje Canindé do São Francisco), que se achavam encravados no famoso morgado de Porto da Folha, medindo 30 léguas de extensão por 30 de fundo, instituído pelo fidalgo D. Antônio Gomes Ferrão castelo Branco.

Como um dos marcos do primitivo esforço de povoamento do território, existe, situada à margem do São Francisco, a povoação de Curralinho, que, em 1877, já possuía a sua escola pública de ensino primário, e é hoje o porto do município, por se achar situado a dezoito quilômetros distante da sede.

A cidade de Poço Redondo nasceu a partir de 1902, quando Manoel Pereira, estabelecido com fábrica de descaroçar algodão no arraial Poço de Cima, resolveu transferir o seu estabelecimento para local mais conveniente, situado a um quilômetro acima do lugar onde se achava. Esta mudança influiu fortemente no espírito de diversos habitantes de Poço de Cima que, afinal, seguiram o exemplo de Manoel Pereira, mudando as suas casas para Redondo, nome que lhe veio do fato de situar-se em local semicirculado pelo riacho Jacaré.

Com o decorrer dos anos, o crescimento vegetativo de seus primeiros habitantes, ajudado pela emigração dos que vieram tentar a vida cultivando as terra próximas, torna Poço Redondo um povoado promissor com feira livre concorrida e comércio próspero.

Situado quase totalmente no Polígono das Secas, sendo por estas martirizado com intermitência, Poço Redondo, a partir de 1950, começou a lutar por melhor destino, o de sua elevação a município, condição em que obrigatoriamente seria olhado, na sua peleja com a natureza somítica, pelos poderes do Estado e do país, trabalhando por isto o Coronel Hermeto Feitosa, figura de proa do Partido Republicano, Secção de Sergipe, que foi vice-governador do Estado no quatriênio imediatamente anterior ao corrente.

Entrementes, Poço Redondo, graças à incrível capacidade de sua gente, não obstante as calamidades produzidas pela escassez dos últimos invernos, atingiu as condições mínimas exigidas pela Lei Orgânica dos Municípios para ser elevada à cidade.

Afinal, pela Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953, Poço Redondo recebe a categoria de cidade e sede do município do mesmo nome, desmembrado do de Porto da Folha.

A Lei estadual nº 554, de 6 de fevereiro de 1954, que fixa a divisão administrativa e judiciária para o qüinqüênio 1954-1958, estabelece os limites municipais e o situa como distrito único e termo da comarca de Gararu.

A instalação do município deu-se a 6 de fevereiro de 1956, com a posse conferida à sua Câmara de Vereadores composta de cinco membros e ao Prefeito Municipal, Artur Moreira de Sá, eleitos no pleito de 3 de outubro de 1954".

Sobre a localização do então criado município, assim se refere o documento elaborado pelo IBGE:

"Situado na Zona Fisiográfica Sertão do São Francisco, limita com os município de Curituba, Monte Alegre de Sergipe, Porto da Folha e com os Estados de Alagoas e bahia. A cidade de Poço Redondo acha-se implantada em uma campina, tendo pelo norte o riacho Poço Redondo e pelo sul o riacho Jacaré que a colocam em um arco. Dista 155 quilômetros da Capital do Estado, colocando-se no 45º lugar entre as demais de Sergipe, em relação à distância de Aracaju".

Com relação aos acidentes geográficos, diz o citado documento que os principais são: "rio São Francisco, que banha todo o norte do município e constitui limite natural com o Estado de Alagoas; riachos Jacaré e Poço Redondo; Serra Negra; serra Negra, situada nos limites com o Estado da Bahia; cordão de morros que ondulam como uma corrente de elos irregulares, nas proximidades da margem do São Francisco, desde os limites de Porto da Folha aos de Curituba.

O rio São Francisco representa para Poço Redondo, além de principal via de ligação com os demais municípios situados ao longo do seu curso, fonte de vida econômica por irrigar as terras de cultura de arroz e também pelos pescados que abastecem a comuna".

Àquela época, nos idos de 1950 quando foi elaborado o documento do IBGE, os dados referentes à população eram os seguintes: "Baseando-se nos elementos oferecidos pelo Censo Demográfico de 1950, referentes à zona rural de Porto da Folha em que se achava compreendido o então povoado Poço Redondo e território com que veio a ser município, a Inspetoria Regional de Estatística fez as seguintes estimativas para a população existente naquele ano: total dos habitantes – cerca de 2 600, que seriam 1 294 homens e 1 316 mulheres. Quanto à cor foi assim avaliada: brancos, 1 470; pardos, 590 e pretos, 540 pessoas. Em relação ao estado civil, achou, segundo cálculos elaborados, que o total das pessoas de 15 anos e mais de idade seria 1 394, assim distribuído: solteiros – 470, casados – 840 e viúvos – 84. Finalmente, que 31% da população reside na sede municipal e o restante na zona rural".

Segundo o documento do IBGE, acerca das atividades econômicas nos anos 50, tem-se que: "Conforme estimativas, existiam em 1950, no território que veio a ser município de Poço Redondo, 650 pessoas ocupadas na agricultura, pecuária e indústria extrativa. Obviamente a agricultura é a principal fonte de vida da comuna por ocupar mais ou menos 85% dos que laboram no campo. A pecuária vem em segundo plano, explorada por pequenina parcela; todavia a economia municipal deve-lhe a maior contribuição".

Prossegue o documento: "A pecuária do município conta com a população seguinte: bovinos – 8 460; eqüinos – 540; asininos – 700; muares – 140; suínos – 1 500; ovinos – 1 600 e caprinos – 8 600 cabeças (dados dos anos 50).

Neste município de clima semi-árido em que são frequentes os invernos escassos da chuvas, o homem pobre, via de regra, exerce uma e não raro outras atividades complementares para ajudarem as rendas principais, sempre insuficientes ao custeio da subsistência da família, comumente numerosa, tanto assim que exerce a agricultura de conta própria, nela ou em outras atividades do campo também trabalha alugado quando não tem uma arte, às vezes faz pequenos negócios: caça e pesca nos dias vagos, etc".

Sobre o comércio e os meios de transportes naquele período, relata o documento do IBGE: "Há na cidade cinco estabelecimentos comerciais de estivas e molhados que transacionam principalmente com as praças de Propriá e Aracaju. Nos dias de feira local, diversos ambulantes de tecidos e outros ramos vêm exercer o seu comércio na cidade. Não há bancos nem correspondentes bancários.

Liga-se Poço Redondo com os municípios limítrofes da seguinte maneira: Fluvial – Curituba (30 quilômetros); Porto da Folha (72 quilômetros). Estrada carroçável – lombo de animais – Monte Alegre de Sergipe (42 quilômetros); Vaturana (ex-Serra Negra) Bahia (48 quilômetros).

A ligação com a capital do Estado é feita através de Porto da Folha, sendo a extensão do percurso – carroçável e rodovia, Porto da Folha-Aracaju, 261 quilômetros; a ligação com a capital federal é feita através de Aracaju.

O município de Poço Redondo é servido pela Empresa Fluvial do Baixo São Francisco, sediada em Penedo, Alagoas. As comunicações do município de Poço Redondo são feitas através da agência postal-telegráfica de Porto da Folha".

Outros dados dos anos 50 são ainda citados pelo IBGE que, para efeito de conhecimento histórico do município, merecem ser mencionados: "A cidade tem 4 logradouros sem pavimentação. Existia em todo território de Poço Redondo 2 115 pessoas de 5 anos e mais de idade, das quais 490 sabiam ler e escrever. Em 1955, existiam no município 5 unidades de ensino primário entre estaduais e municipais e 1 curso supletivo federal com 188 alunos matriculados, cujo aproveitamento fora de 16% naquele ano. Os naturais de do município são designados pelo gentílico poço-redondenses. Dos 620 eleitores inscritos, 278 votaram no pleito eleitoral de 3 de outubro de 1954, verificando-se uma abstenção de 55,1%.

Predomina a religião católica romana. A padroeira do município é Nossa Senhora da Assunção, festejada com grande entusiasmo no dia 15 de agosto, por um tríduo encerrado com procissão. Tal festa começou a ser realizada pelos vaqueiros da região, razão por que a chamavam festa dos vaqueiros. Poço Redondo pertence à paróquia de Porto da Folha. Quanto a manifestações folclóricas, são apreciadas as cantorias dos repentistas que na cidade ou na zona rural aparecem a convite para os descantes dos desafios".

Como citado por diversas vezes, tais dados correspondem aos primórdios da emancipação de Poço Redondo. São dados dos anos 50. Mais adiante poderemos observar as muitas transformações ocorridas no município. Contudo, alguns aspectos devem ser mencionados de pronto, de modo que uma breve análise da situação atual já serve para demonstrar o quanto não existe mais dos elementos constantes desse documento do IBGE.

Vejamos: Há muito que o povoado Curralinho deixou de ser porto do município, vez que praticamente não existem mais embarcações de grande porte nem de transporte regular de passageiros que cortem o Velho Chico e cheguem até suas margens; a profundidade das águas não permite mais, Os próprios moradores do povoado só utilizam pequenos transportes fluviais para chegarem a curtas distâncias. O mesmo ocorre no povoado vizinho de Bonsucesso. Quer dizer, o rio continua existindo apenas como reflexo sentimental, mas não como leito que era a vida e a sobrevivência de todos.

Se naquela época o percurso entre Poço Redondo e a capital do estado era feito praticamente em linha reta, através de 155 km, diminuindo em muito a distância que hoje é de 184/185 km, isto resulta do fato de que as rodovias abertas mais recentemente buscam cortar terrenos mais planos e em campos mais abertos, facilitando e dando mais segurança aos transportes, e não como naqueles tempos onde as distâncias eram diminuídas a custo de qualquer esforço.

O riacho Jacaré, mesmo com a degradação ambiental nas suas margens e a desenfreada retirada de areia e pedras do seu leito, fatos que prejudicaram a formação de reservatórios de água salobra durante as enchentes, ainda assim continua existindo ao lado da cidade. Muitas vezes, quando as chuvas são mais intensas para os lados da Serra da Guia, enchentes rápidas, vorazes e perigosas começam a tomar o seu leito numa velocidade impressionante, levando nas águas tudo que encontra pela frente, tais como pessoas, animais, restos de vegetação e pontes.

As primeiras águas chegam totalmente sujas, o que demonstra o estado de precária conservação do seu leito, e nesse percurso seguem em direção ao rio São Francisco, onde o riacho desemboca. Por outro lado, infelizmente não pode se dizer o mesmo com relação ao riacho Poço Redondo, praticamente tomado pelo crescimento da cidade. Hoje, diante do seu aterramento, não há que se falar mais no riacho Poço Redondo como marco divisório.

Mesmo que Nossa Senhora da Assunção seja um dos muitos nomes que a igreja católica consigna a Nossa Senhora da Conceição, não há que confundir o nome da padroeira do município. É Nossa Senhora da Conceição e não outra Nossa Senhora a padroeira reverenciada no dia 15 de agosto, com festividades, missa e procissão.

Em anos anteriores, quando a cidade ainda não havia sido invadida pelos modismos sulistas, a festa de padroeira era coisa bonita de se ver e se encantar. Logo ao alvorecer, em frente à igreja, um grupo de tocadores de pífanos da família Vítor, liderados pela alegre e festiva Alzira, tocava com maestria seus instrumentos majestosos enquanto fogos pipocavam pelos céus da cidadezinha interiorana. Mais tarde, pelos quatro cantos do lugar, em qualquer salão que existisse, os sertanejos iam dançar o autêntico forró nascido da sanfona e das mãos geniais do Mestre Dudu, de Zé Aleixo, de Zé Goití, de Raimundinho e de muitos outros tocadores do lugar e das regiões vizinhas.

Era festa pra três dias, mas que demorava mais de uma semana. Assim que acabava e o povo já se programava feliz para o festejo seguinte. E a cidade enchia-se de visitantes vindos de Pão de Açúcar, Piranhas, Canindé, Monte Alegre, Nossa Senhora da Glória, Porto da Folha e demais cidades vizinhas. Era época de os poço-redondenses que moravam distantes, geralmente no Rio de Janeiro e São Paulo, retornarem ao lugar para uma visita rápida, para rever os amigos e molhar os olhos de toda a família. Hoje é muito diferente, mas somente mais tarde, num futuro que só Deus sabe quando, é que essa história será contada.

continua...

Poeta e cronista

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