Felicidade filosófica
Mesmo depois de ter voltado ao currículo do Ensino Médio por força de lei ou de estar sendo levada por livre e espontânea vontade para o Ensino Fundamental em escolas públicas e privadas de todo o Brasil, a Filosofia ainda é vista com estranheza pela maioria das pessoas. Em se tratando das novas gerações, ou ela é tida como uma total desconhecida ou como uma disciplina difícil e enfadonha.
Em todos os meus anos de graduação e de magistério em Filosofia pude testemunhar que, mesmo após o seu “exílio” durante as mais de duas décadas de Ditadura Militar, ela ainda se encontra num certo ostracismo. Por outro lado, nunca se produziram tantos livros, vídeos, programas de TV e reportagens de jornais e revistas focados na importância do filosofar para todas as idades. Aí reside o meu otimismo.
Há alguns anos, por exemplo, a revista Época publicou uma ampla reportagem (foi, inclusive, a matéria de capa) com o título “Felicidade: como a Filosofia pode nos ajudar a viver melhor”. Quem poderá negar a atualidade e amplitude de um tema como este? Ser feliz é tudo que se quer desde que o ser humano se deu conta de si numa dimensão mais abstrata.
A revista apresentou de forma quase didática a visão de filósofos de todos os tempos sobre a busca da felicidade. Citou, por exemplo, a perspectiva de Demócrito (460 a.C. a 370 a.C.) – um dos pensadores gregos mais antigos. Em um livro chamado “Sobre o Prazer”, ele apresenta os passos elementares para uma pessoa alcançar a felicidade. Um deles – mais atual do que nunca! – pode ser resumido na frase “ocupe-se de pouco para ser feliz”. Para o filósofo, grande parte da angústia e da sensação de impotência que enfraquecem o ser humano vem da sua necessidade de se ocupar com mais do que pode dar conta (vide as agendas escolares das nossas crianças).
Epicuro (341 a.C. a 270 a.C.) – outro filósofo grego – defendeu a necessidade de se viver o agora como passaporte para uma vida serena e feliz. Seu pensamento, que continua sendo objeto de estudos, ressalta ser papel da Filosofia libertar o ser humano dos grandes temores que ele tem a respeito da sua vida, da morte e mesmo do pós-morte. Duas frases atribuídas a ele traduzem bem isto: “o homem sábio cuida do dia de hoje” e “não se preocupar com o que vem pela frente é uma das maiores marcas de sabedoria”.
Também lá da Antiguidade, Zenão (333 a.C. a 264 a.C.) enfatizava que a felicidade está diretamente atrelada a uma vida simples (ligada à natureza) e à aceitação das adversidades. Fundador do Estoicismo, ele é uma espécie de precursor de um conceito bastante estudado por psicólogos do mundo inteiro nos últimos tempos: resiliência (a capacidade que algumas pessoas têm de se tornar mais fortes e resistentes depois de passarem por adversidades e traumas).
Zenão pregava que os obstáculos e os mais diversos problemas são inevitáveis e acontecerão necessariamente na vida de todas as pessoas. Negá-los ou fingir que não existem só piora o estado de espírito de alguém. Ao contrário, aceitá-los e encontrar neles um caminho para o próprio fortalecimento interior são atitudes recomendadas.
Esses são apenas alguns poucos exemplos de como um saber milenar pode ser atual e eficaz no exercício do bem pensar – a chave da Filosofia na busca da felicidade. Pena que muitos professores da área ainda prefiram apresentá-la como um conhecimento estanque, exposto num pedestal ou depositado em estantes empoeiradas.