Segunda chance
Um dos temas recorrentes no cinema de ficção científica é a viagem no tempo para se modificar o passado. Pelo menos em cinco deles – “Em algum lugar do passado”, “De volta para o futuro”, “Peggy Sue, seu passado a espera”, “Alta frequência” e “Efeito borboleta” – a personagem principal tem uma chance de trilhar caminhos diferentes, capazes de modificar o seu futuro.
Fora da ficção, tentar voltar ao passado para avaliar as escolhas feitas e os caminhos percorridos a partir delas é sempre um exercício existencial interessante. Há pouco tempo resolvi propor um tópico com esta temática na ótima comunidade orkuteana “Café Filosófico ‘Das Quatro’”, que há mais de cinco anos apresenta sérios debates filosóficos para quem é e quem não é da área.
Com o tópico “Você seguiria os mesmos caminhos?”, ressaltei que há momentos da vida em que paramos, olhamos para trás e nos perguntamos: e se eu tivesse seguido o caminho xis em vez do que segui? Propus aos visitantes da comunidade uma reflexão em torno de uma suposta oportunidade de se voltar a um determinado ponto do passado tido como divisor de águas com a consciência e lembranças de tudo que se vivenciou até aqui. Em seguida deixei a seguinte pergunta: você seguiria por um caminho diferente ou manteria a mesma rota que o trouxe até os dias atuais?
Três comentários resumem bem o espírito desse debate. No primeiro uma das quatro fundadoras da comunidade – Chris Herrmann (residente em Hilden, Alemanha) – escreveu que já se perguntou isso várias vezes e, dependendo do seu momento, encontrou respostas diferentes. “Por um lado, a experiência nos ensina algumas coisas e fico com a impressão de que se pudesse voltar ao tempo, teria agido diferente nesta ou naquela situação. Por outro, penso que eu sou exatamente aquilo que vivi e que todos os erros e acertos me fizeram mais forte e me deram a identidade que tenho hoje. Então, diria que a melhor resposta que encontro para mim mesma é uma pergunta: será que eu seria mais feliz se não tivesse experimentado meus erros?” Registrou.
Sílvia Vitória, uma internauta de São Paulo-SP, assegurou que os momentos tidos como divisores de águas são os que mais a levam a esse tipo de questionamento, e que já tentou pensar tanto no sim quanto no não com relação a que caminho seguir se tivesse uma segunda chance de escolher. Ela enfatizou: “quando me lembro de como estava naquele momento a única resposta que consegue me convencer é a de que eu fiz exatamente o que estava ao meu alcance. Se eu tivesse a vivência que tenho hoje naquela época será que eu teria vivido aquele momento a ponto de ter que me decidir, como o fiz na época? Penso assim porque não dá pra desconsiderar o fato de que nessa cena que surge na minha memória não dá pra interferir no que está ao meu redor Logo, não consigo prever que diferença faria ter optado por outro direcionamento. Ou seja, essa pergunta, para mim, é de difícil resposta e mesmo impossível de ser respondida, não sem considerar a opinião de todos os envolvidos nesse momento da minha vida”.
No terceiro comentário um carioca que se apresenta como Pestana Hyô-Kô diz que há coisas que ele não gostaria de repetir, coisas que não fez e gostaria de ter feito e outras que faz hoje que estão atreladas ao que fez ou deixou de fazer e que, muitas vezes, impedem-no de ver outros caminhos. “Voltar ao início da estrada para percorrê-la do mesmo modo que a percorreria quando tinha menos 40 anos me parece um sinal de estagnação. É como uma roda que gira e não sai do mesmo lugar – os budistas a chamam de Roda do Samsara. E tanto os budistas como os espíritas garantem que quem está preso a essa roda vai renascer tantas vezes quantas forem necessárias até que aprenda a superar os afetos que o prendem a uma determinada forma de vida, para que aprenda o sentido do desapego e da impermanência. Se isso é verdade, não sei. Mas se eu voltasse no tempo, algumas coisas faria de outro jeito”, concluiu.
Antes que alguém pense que esse é um mero exercício de saudosistas, vale a pena lembrar que existem muitos padrões existenciais que costumam se repetir ao longo da vida de qualquer pessoa. Assim, olhar para o passado traz uma boa chance de se evitarem erros já cometidos e sofrimentos advindos deles.