Defluxo e forró

Quem está com defluxo não pode ir ao forró... pode "arrepiar os cabelos daqueles que já estão carecas"!

Outro dia, lendo “Já podeis da Pátria filhos” de João Ubaldo Ribeiro, me deparei com a palavra “defluxo”. Defluxo: que palavrinha era aquela? Tive que reler a frase para compreender seu sentido no contexto.

Resfriado, foi a palavra mais próxima do meu vocabulário. Lembrei-me então da minha mãe, da minha infância, das palavras que ela usava nessas ocasiões. Constipado, defrusso, seria assim mesmo? Enfim, defruço – que seja – nada mais era que um legado cultural verbal que traz como conseqüência todas essas alterações que vemos aos montes por aí.

Já estou desviando do assunto, mas isso é quase inevitável, quando enveredamos por esses caminhos. Lembrei-me que no meu trabalho tenho visto coisas de arrepiar os cabelos daqueles que já estão carecas de saber que língua é coisa viva.

Tão viva e poderosa que toma suas próprias rédeas no contato entre as pessoas - mudando o significado ou pelo menos a grafia de algumas palavras, oficializando no Cartório a variação transformada em nome próprio. Uélinton, Uóchiton, Maicon, Chuasnéguer, Cridence, Valdisnei (de Walt Disney) – para citar apenas alguns...

Os atuais analfabetos interioranos (e não só eles) ainda usam, na maioria das suas conversações, palavras originadas na linguagem culta dos portugueses colonizadores. Cê, Mecê, Vosmecê, etc. Herança cultural, verbal, distorcida. Valendo o escrito, este nem sempre reflete o que se ouviu. Quem não tem o hábito da leitura, não tem memória visual.

Quem escreve como se ouve, acaba criando palavras esquisitas até se tornarem comuns e aceitas como nome próprio – como forró (que seria do americano “for all”, que significa “para todos” indicando o salão de dança nas comunidades nordestinas onde os americanos construíam estrada de ferro ou algo parecido).

Chega um momento, porém, em que não se sabe mais o que é certo ou errado. Baixa-se um decreto e faz-se uma limpeza geral. A partir daí, tudo vira definitivamente de cabeça para baixo. Até hoje ainda há quem coloque acento agudo no “pra” (contração de “para”) => já vi isso até na tela da Rede Globo (embora ela não seja exatamente exemplo de cultura). Mas já vi, também, no pátio de uma faculdade (UMC) e ali, sim, deveria ser... (só foi corrigido depois que eu levantei a questão)

No início era realmente assim – com apóstofo e acento agudo (p’rá). O apóstofo caiu antes, o acento foi eliminado na Nova Ortografia de 1971. Quem estudou e se formou antes disso, pode até jurar que o certo seria o errado. Complicado...

19/11/2004

Lourenço Oliveira
Enviado por Lourenço Oliveira em 10/08/2006
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