Mulher que virou lei

O que há de mais fantástico no processo de aprendizagem humana é que ele é fruto de experiências e percepções coletivas. Apesar de muitos insistirem em seguir o árduo caminho do “colocar a mão no fogo para ver se queima”, há aqueles que amadurecem observando e absorvendo a experiência do outro.

Algumas histórias alheias, como as que o escritor Manoel Carlos tem colocado ao término de cada capítulo da sua atual novela – Viver a Vida, ensinam através da dor e do sofrimento. O ideal é que não fosse assim, mas o certo é que a trajetória da humanidade é também marcada pela tragédia desde o princípio.

Dessas histórias trágicas surgiram muitos mártires civis, militares e religiosos. Vários deles são reverenciados e cultuados mundo afora dentro de igrejas, em praças públicas ou através de livros, músicas e filmes. Os comprovadamente autênticos (que não foram forjados a partir de meros interesses políticos e econômicos) são referenciais dos verdadeiros valores nobres.

Para usar apenas um exemplo contemporâneo e bem próximo da realidade de qualquer brasileiro, cito o nome da biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia. Ele hoje é atrelado à Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei no 11.340/2006), sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006.

Dar nome a uma lei com essa conotação possivelmente só deixaria feliz algum político interessado nos dividendos que dela viessem. O mesmo não vale para uma vítima. No entanto, há pessoas, como Maria da Penha, que não se importam em externar seu próprio sofrimento para que outros não tenham que passar por eles.

No caso dela, o marco inicial foi em 1983, quando o próprio marido (o professor universitário Marco Antonio Herredia) tentou matá-la duas vezes. Na primeira tentativa, atirou contra ela, deixando-a paraplégica. Como não conseguiu o que queria, tentou novamente, desta vez a eletrocutando. O monstro com diploma de nível superior não levou sequer em consideração o fato daquela mulher (à época com 38 anos) ser a mãe de suas três filhas (todas com idades entre 2 e 6 anos na ocasião).

Apesar da investigação policial ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte. Oito anos depois o criminoso foi condenado a oito anos de prisão, mas foi beneficiado por recursos jurídicos para adiar o cumprimento da pena.

Sua história foi levada à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica. Marco Antonio Herredia foi, então, preso em 28 de outubro de 2002, mas cumpriu apenas dois anos de prisão. Hoje, está em liberdade.

Também por constatar tamanhos benefícios da Lei é que Maria da Penha Maia começou a atuar em movimentos sociais contra a violência e a impunidade. Atualmente ela é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência, no Ceará, e faz palestras em todo o Brasil para conscientizar mulheres sobre a necessidade de reagirem contra as agressões domésticas.

A lei que leva seu nome triplicou a pena para esse tipo de agressão e aumentou os mecanismos de proteção das vítimas. Ela aumentou de um para três anos o tempo máximo de prisão e prevê como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher as de cunho físico, psicológico, sexual, patrimonial e moral. Tomara que Maria da Penha possa ser também inserida em livros escolares para que os futuros adultos a tenham como exemplo de cidadania e de dignidade.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 19/02/2010
Código do texto: T2095663