Jornalismo é “voar fora da asa” (Motivos para ser jornalista)
Já faz muito tempo que o jornalismo diário deixou de ser uma profissão apaixonante para se tornar uma atividade reacionária e tecnocrata. O jornalista contemporâneo se tornou um simples assessor, secretário ou, para ser mais claro, um lambe botas sem amor pelo ofício.
Grande parte dessa culpa se deve principalmente às universidades. "Professores sem lirismo, em cursos sem função, secam as fontes de criação dos alunos, amarguram-nos com noções inúteis, criam-lhe tabus para sempre destrutíveis, inoculam-lhes o horror da cultura e, sobretudo, matalham-lhe esse que é o maior dom do ser humano, o seu senso lúdico. Agora - e de alguns anos sinto essa ameaça comercial-didática", denuncia aquele que é talvez um dos maiores jornalistas ainda vivos, Millôr Fernandes.
Dentro das universidades, os professores não mais despertam o aluno para a paixão pelo jornalismo. Eles engessam os estudantes com didáticas altamente mercadológicas, passando somente a visão de uma carreira “dinheirista”, onde se deve respeitar as regras e, principalmente, os manuais de redação e suas linhas editoriais.
Passou o tempo em que o menino jornaleiro sonhava em um dia ser jornalista. Poucos são os que ainda sentem prazer em ler o jornal pela manhã e imaginar o mesmo cheirinho de pão. A maioria sabe bem que os jornais se transformaram em meros “papagaios das ações dos governantes”. As redações perderam aquela sua ambientação “mítica” (quase subversiva) para se tornar apenas o setor de uma grande empresa.
Poucos são os estudantes de jornalismo (e jornalistas) que sonham em um dia ter a combatividade de Cláudio Abramo, Joel Silveira e Tarso de Castro. Ninguém mais pensa em ter a coragem de um Rubens Valente, a linguagem ferina de um Ferréz, e a erudição de um José Arbex. Poucos sabem quem é Honoré de Balzac, Ernest Hemingway, John Reed e Hunter Thompsom.
A maioria parece se assustar quando falamos em um jornalismo marginal, nos moldes de Rubem Fonseca, João Antônio, Fausto Wolff, Paulo Leminski e Lima Barreto (o pioneiro). Antonio Callado, Euclides da Cunha e Machado de Assis são grego e latim. Sem falar também no jornalismo poético de Fernando Brant. Poderíamos citar ainda Carlos Heitor Cony e Ricardo Kotcho, mas esses, lamentavelmente, de exemplo só serve o passado. Poucos têm o discernimento de apurar que eles entregaram a rapadura já faz muito tempo. O jornalismo também perdeu muito de seu senso de humor e de sua crítica sarcástica como nos tempos de Henfil, Jaguar, Sérgio Cabral, Glauber Rocha e Millôr Fernandes no lendário Pasquim. Pena que o velho Millôr anda um pouco perdido em sua coluna semanal na revista Veja.
Quase todos querem apenas a fama de Willian Bonner, a beleza plástica de Fátima Bernardes, e alcançar o grau de puxa-saquismo do Arnaldo Jabor. Sonham com grandes assessorias de Mc Donalds, Ford, congressistas, parlamentares, grandes empresários, babações, festas e altos salários.
“Fácil é escrever difícil. Difícil é escrever fácil”. Quantos professores, escritores e jornalistas não usam essa mesma receita para aconselhar os iniciantes na carreira jornalística. Mas, infelizmente, o que acontece na prática é bem diferente. O mais comum do jornalista atual é a elaboração de textos científicos, embasados com diversos autores, dados e estatísticas. Mecanismos que ao invés de esclarecer o leitor, o coloca diante de verdadeiros “Franksteins”.
Quase não se vê mais aquele jornalista que escreve com o coração, com simplicidade e com amor pela profissão. Os estudantes de jornalismo, (incluindo os jornalistas), adoram o chamado texto “salada” ou “recorte”, onde se amontoam citações de Cremilda Medina, Clóvis Rossi, Alberto Dines, Ciro Marcondes e Gilberto Dimenstein (sempre os mesmos).
Claro que esses autores devem ser lidos e relidos (sempre), principalmente nos primeiros anos de faculdade, mas, chega um tempo em que de tanto citar os outros a pessoa acaba se esquecendo de evoluir a si mesma. Essa fórmula de texto “recorte” está batida, mastigada e desgastada. E o leitor já não se sente mais seduzido por textos tão maniqueístas.
Jornalistas experientes e estudantes caem na mesma armadilha quando tentam demonstrar erudição em seus textos. O momento atual, mais do que intelectualidade, pede humildade.
Quantos estudantes não deixam a faculdade sonhando com um mestrado no exterior, reconhecimento intelectual, best-sellers, artigos em jornalões, fama e dinheiro. Isso tudo porque o jornalismo deixou de ser uma causa para se tornar um negócio. Um fim. Um objetivo.
Chega de análises conjunturais, cíclicas e críticas. Vamos primeiro repensar o jornalismo em si e o seu papel na sociedade. Estamos correndo o risco de formar as futuras gerações usando o mesmo receituário:
Aulas de como não dar aulas para formar jornalistas para serem cada vez menos jornalistas.
Pois assim como na poesia, jornalismo é “voar fora da asa”.
Danilo Nuha – Começou trabalhando aos nove anos de idade como jornaleiro e balconista de bar. Foi açougueiro, limpador de fossa, descarregador de caminhão e operário em fábricas japonesas. Formou-se em jornalismo, tem 24 anos e atualmente está desempregado.
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