AS LIÇÕES E OS ERROS

AS LIÇÕES E OS ERROS

Rangel Alves da Costa*

Queiramos ou não, somos todos pós-graduados, doutores e especialistas nas lições da vida. O passado, o presente e até o futuro são acervos que guardam um infinito cabedal de conhecimentos que os indivíduos dispõem para entender as realidades, as causas e as conseqüências das coisas. Daí que não deveria prevalecer a reiteração de práticas errôneas se as conseqüências nefastas de tais ações já são por demais conhecidas.

Contudo, indivíduos existem que insistem em não aprender ou fingem que o que acontece ao seu redor em nada lhe diz respeito. Omissos aos fatos que podem ensinar e às ações que devem aprender, simplesmente procuram trilhar um caminho obscuro onde o erro começa a ser prática comum e a fazer parte do cotidiano, interferindo mesmo na vida do próximo, e tudo porque não quiseram ou não querem ver aquilo que está diante dos olhos. Existem mais pessoas com tais características do que imaginamos.

Há muitos anos atrás, por volta do século IV a.C., o chinês Sun Tzu escreveu um pequeno livro de conteúdo militarista, A Arte da Guerra, que viria a se tornar no grande manual para aqueles que vão não somente travar batalhas bélicas, mas também, e principalmente, numa coletânea de estratégias para o enfrentamento das batalhas da vida. Os generais conhecem a fundo essas lições, os seus comandados também, e as pessoas comuns aprendem a erguer, através dos escritos, verdadeiras trincheiras para buscar vencer os desafios que se apresentam nas lutas cotidianas.

E disse o mestre: "A água não tem forma constante. Na guerra também não existem condições constantes. Por isso pode-se dizer que é divino aquele que obtém uma vitória alterando as suas táticas em conformidade com a situação do inimigo”, "Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo lutará cem batalhas sem perigo de derrota; para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou para a derrota serão iguais; aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio, será derrotado em todas as batalhas", “Os bons guerreiros fazem com que os adversários venham a eles, e de nenhum modo se deixam atrair fora de sua fortaleza”, “Se as árvores se movem, é que o inimigo se está aproximando. Se há obstáculos entre os brejos, é que tomaste um mal caminho”.

No século XVII, um pensador e teólogo espanhol chamado Baltasar Gracián escreveu um opúsculo denominado A Arte da Prudência, obra didática onde procura demonstrar situações de prudência na conduta dos indivíduos perante as mais diversas situações. Assim, dentre muitos outros aspectos, ensina que: “Não se deve agir sempre igual, pois a rotina se tornará uma armadilha e as ações serão antecipadas e frustradas”; “A perfeição não está na quantidade, mas na qualidade. Tudo que é muito bom sempre foi pouco e raro: usar muito o bom é abusar”; “É preciso sempre estar do lado da razão com tal firmeza, que nem a paixão do povo nem a violência tirânica, façam com que se desvie dela”; “Não há maior vingança do que o esquecimento”; “O desprezo é a forma mais subtil de vingança”; “Todos os homens são idólatras, uns da honra, outros do interesse e a maior parte do prazer”; “O primeiro sinal de ignorância é presumirmos que sabemos”; “As verdades mais importantes só são ditas metade”; “Não há mestre que não possa ser aluno”.

Os conhecimentos bíblicos não deixam negar a força dos ensinamentos. A Bíblia, mesmo de leitura praticada por uma seletiva gama dos povos, possui o dom de ter suas lições cristãs acessíveis a todos, pois repassadas diuturnamente pelos pregadores, leigos e nos ofícios próprios das igrejas. É difícil imaginar alguém que já não tinha ouvido falar nos seus preceitos, nos exemplos contidos nos evangelhos, das muitas lições que podem ser extraídas para ilustrar as virtudes e as boas condutas dos seres humanos.

Ajam ou não os indivíduos com a certeza disso, verdade é que a grande maioria das condutas humanas são previamente estabelecidas pela Bíblia como certas ou erradas. Os dez mandamentos não deixam mentir: Amar a Deus sobre todas as coisas; não tomar Seu santo nome em vão; guardar domingos e festas; honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores); não matar (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo); não pecar contra a castidade; não furtar (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo); não levantar falso testemunho; Não desejar a mulher do próximo; Não cobiçar as coisas alheias. Tais são os mandamentos da Lei de Deus, que podem ser sintetizados em apenas dois: "amar a Deus sobre todas as coisas" e "amar ao próximo como a nós mesmos".

Ademais, a Bíblia ainda ensina que o homem deve se abster da prática de quaisquer dos seguintes pecados capitais: Gula (comer além do necessário e a toda hora); vaidade (amor próprio exagerado, conceito demasiadamente elevado que alguém faz de si mesmo); luxúria (apego aos prazeres carnais); avareza (amor desregrado pelo dinheiro e bens materiais); preguiça (aversão a qualquer tipo de trabalho ou esforço físico); cobiça (desejo desenfreado de possuir o que pertence a outro e não a si mesmo) e ira (raiva, ódio, desejo de vingança). Estes são tidos como vícios que devem ser expurgados, de modo que os instintos básicos do ser humano devam ser somente aqueles que obedeçam a regras de boa conduta, moral e bons costumes.

Existem outras práticas, consistindo em pecados ou ações desabonadoras, que a Bíblia menciona como afronta aos princípios divinos e ao próprio Deus. Neste sentido, Provérbios 6:16-19 declara: “Estas seis coisas o Senhor odeia, e a sétima a sua alma abomina: 1. Olhos altivos; 2. língua mentirosa; 3. mãos que derramam sangue inocente; 4. o coração que maquina pensamentos perversos; 5. pés que se apressam a correr para o mal; 6. A testemunha falsa que profere mentiras; e 7. o que semeia contendas entre irmãos.” Estas são tidas como as coisas que a Deus aborrece.

As lições de berço, tantas vezes repassadas no seio familiar pelos avós, pelos pais, pela velha babá, pelos fiéis amigos, traziam e ainda trazem consigo não só uma preliminar forma de educação para a vida, como também verdadeiros princípios de convivência perante o meio e os demais: “Respeite sempre os mais velhos”, “Peça licença quando for entrar e diga obrigado quando for sair”, “Respeite os outros se quiser ser respeitado”, “Não chame nome feio nem diga palavrão”, “Guarde bem o que é seu e nunca pegue no que é dos outros”, “Quem briga na rua traz tristeza pra casa”. E por aí vão...

Os provérbios, os ditos populares e os ensinamentos orais do povo são também recheados de cautelas, observações de como deve ser a conduta humana e até de profecias. Essas tradições que são ditas e ouvidas cotidianamente possuem significados muito maiores do que imagina quem as pronuncia ou ouve. Somente analisando detalhadamente é que se pode alcançar os fundamentos de tais verdades populares. Assim, diz a voz do povo: “Devagar se vai ao longe”, “Quem desespera não pode nem esperar”, “Quem fala o que quer ouve o que não quer”, “Todo valentão morre cedo demais”, “A palavra vale prata; o silêncio vale ouro”; “Em boca fechada não entra mosquito”, “A vingança é um prato que se come frio”.

Como observado, se dizem que a vida é feita de lições, para viver irremediavelmente as pessoas têm que aprendê-las. Não significa que cada um tenha que estudar, se formar, para ter o entendimento suficiente sobre as coisas. De forma alguma, pois sabe mais aquele que quer aprender e aprende com a própria vida. Quando afirmamos que somos formados, pós-graduados e doutores nas lições da vida, é no sentido de afirmar que todos conhecem suficientemente bem os ensinamentos que a vida oferece, pois todos, e em todos os lugares, são sempre lembrados sobre o certo e o errado, sobre o desvio e o pecado, sobre o que pode ou não ser feito. Ouvir, aprender, repassar e viver com dignidade a partir desse aprendizado, é uma outra questão, que implica necessariamente no comprometimento que cada tem consigo mesmo e com o próximo.

Advogado e poeta

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