Aids

O primo do enteado do tio de um vizinho amigo meu, numa dessas festas de vizinhanças tomou todas e resolveu abrir seu coração, dizendo assim:

Tenho aids. Nunca pensei que contaria a alguém principalmente pra desconhecidos. Mas, ufa! Como é bom desabafar! Falo isso porque sei de tão poucas coisas ainda, sobre tantas que essa doença ainda me trará. Acho até, que só comecei a viver depois da aids.

A tal soropositividade me trouxe a vida que de outra forma eu nunca viveria. Valorizar meus amigos, admirar as flores. Dizer que amo às pessoas que amo.

Ser soropositivo me fez enfrentar coisas improváveis para a maioria das pessoas que não são: ter paciência na hora de responder, falar tudo que eu penso até babar na cara de alguém, porque, pra “gente como eu” levar desaforo pra casa é desperdício de tempo.

Me fez até, nas briguinhas de casal, engolir os sapos e transforma-los mais tarde em comédia. E tenho até um amigo, que quando tive que abrir o jogo, encheu os olhos de lágrimas. Só um.

Depois de dizer isso, depois desse “só um”, recostou o rosto sobre seu próprio ombro e adormeceu.

Esse primo do tio do enteado do amigo do vizinho eu nunca mais vi. Fica aí a história pra vocês.