Amor bandido desafia razão
Pegando carona na clássica frase do filósofo francês Blaise Pascal – “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, tento entender o que leva alguém a optar pelo tal amor bandido. Bem mais próximo da vida real do que sugere a ficção, a exemplo do romance vivido pelas personagens Sandrinha (Aparecida Petrowky) e Benê (Marcelo Mello) na atual novela global Viver a Vida, este tipo de envolvimento afetivo tem, cada vez mais, levado mulheres de classes sociais privilegiadas a se enveredarem no mundo do crime.
Na manhã da última segunda-feira (dia 11) fui surpreendido com a notícia de uma estudante de Direito de 19 anos, moradora de Nova Iguaçu-RJ, que tramou com o namorado o assalto da própria mãe. O plano, que envolveu outros assaltantes, foi gravado pela Polícia com autorização judicial, justamente porque já se suspeitava que o namorado da moça era integrante de uma quadrilha que pratica assaltos e sequestros na Baixada Fluminense.
Quem não se lembra da também estudante de Direito – Suzane von Richthofen, que planejou e executou a morte dos próprios pais com a ajuda do namorado Daniel Cravinhos e do irmão dele, Cristian. O crime bárbaro, ocorrido em novembro de 2002 num bairro de classe média-alta de São Paulo, chocou o país não só pelo fato da assassina confessa ser filha das vítimas, mas pelo fato de haver nesta história uma interrogação difícil de ser respondida: por que uma jovem supostamente bem criada e educada, que nunca passou por qualquer problema financeiro, jogaria sua vida na lama para sempre? Na época, Suzane chegou a dizer em depoimento à Polícia que matou os pais por amor, pois eles se opunham a seu namoro com Daniel.
Em março de 2007 outra estudante de Direito de classe média-alta – Ana Paula Jorge Souza – foi presa em meio a uma história com ingredientes de amor bandido. Acusada de liderar uma quadrilha responsável por assaltos a residências e a casas lotéricas em Campinas-SP, da qual também fazia parte o namorado Raoni Renzo Miranda, ela justificou sua incursão no submundo do crime dizendo que havia se apaixonado pelo namorado e terminou seguindo seus passos porque não queria perdê-lo de vista.
Há especialistas ligados à psicologia forense e à criminologia que recorrem a explicações diversas para encaixar mulheres com esse perfil, que vão desde a baixa auto-estima até a excitação com o perigo. Para o último caso há até nome: hibristofilia (bizarrice sexual em que a excitação ocorre se o parceiro for um criminoso que tenha cometido crimes como violação, assassinato, estupro ou roubo).
Ainda que problemas psicológicos possam explicar o amor bandido, não dá para desconsiderar que são atraídas para ele as pessoas com fraturas morais. Estas nem sempre são decorrentes de faltas ou excessos ligados à educação familiar. Qualquer indivíduo é, de um lado, o que traz em essência (leiam-se aí informações genéticas e mesmo espirituais) e, do outro, o que lhe dão (ou deixam de dar). Neste último caso, é, sim, a sociedade (família, escola e Estado) a principal responsável por dar tudo que possa influenciar positivamente em sua formação ética e moral. É na complexidade do somatório destes dois lados que residem as nossas escolhas. Elas são resultados do tão propagado livre-arbítrio que, no plano religioso, recebemos de Deus.