Maniqueísmo Econômico
A intervenção direta do Estado no domínio econômico calou, e tem calado, tanto governos socialistas, quanto capitalistas, conduzindo-os a um mesmo rumo no estabelecimento da intervenção indireta através de políticas públicas.
Enquanto a base da sociedade reclama por políticas sociais mais justas, as elites persistem na lógica da concentração, justificada na segurança do trânsito livre do capital apátrida, que, tanto mais lucra, onde mais explora, especula.
Num passado, não muito distante, e por que não dizer, até hoje, em algum lugar do planeta, quem não concordava com as injustiças do capital depravado, era ou é, de um lado, cooptado pelo socialismo e, de outro, taxado de comunista. Prevalecia a lógica maniqueísta - uma forma de se varrer o meio-termo e de se impor a ditadura, a tirania. Contudo, a maioria encontrava-se velada no meio–termo e se tornava refém da suspeição tirânica. Ou se estava ou não de um ou de outro lado – capitalista ou comunista. Se repararmos bem, toda ideologia que quer se impor, exclusivamente, estabelece esta condição, como ocorre, com frequência, com algumas religiões. Para o cristianismo, não há salvação se não se é cristão, e vai por aí.
O novo capital, como um vírus mutante, surgiu extremamente nocivo para a sociedade, porque perdeu a sua principal qualidade, a ética e, com ela, a sua função social, que justificou, no passado, dentre outros aspectos, a formação do Estado. O capital sem função social, despido de ética, obviamente, é um jogo do vale-tudo, da lei da vantagem.
O embrião do neo-liberalismo já se nutria no ventre dos anos sessenta e não passava de um movimento oportunista de reacomodação das elites do poder econômico, com o abocanhamento de fatias do bolo capitalista, por novos grupos emergentes. Devemos considerar que o fator determinante das relações humanas sempre foi o econômico e que a humanidade nunca possuiu, como não possui, fórmula pronta para se chegar a um denominador comum. Daí, o distanciamento ideológico, que decorre da forma de se conviver com a escassez de recursos, concentração da renda e produção, polarizado pelos ideais socialistas e capitalistas.
A grande novidade dos tempos modernos é que o Capital, então, criou vida própria, globalizando-se, assim como ocorreu com o socialismo que pretendeu o comunismo, ou o cristianismo com o catolicismo. O capital passou a ter o seu testa de ferro – o Mercado - o seu combustível fornecido pelas bolsas e o seu sangue pelas ações e títulos. Desta forma, tornou-se o financiador do poder, prevalecendo a lógica do lucro pelo lucro, transformando a sociedade em fornecedora – cliente. Fornecedora da produção, geradora do seu combustível, e cliente de consumo que lhe coroa com o lucro. E, talvez aí, encontra-se a razão dos males das ditas economias dependentes.
O novo Capital, que massacra e assassina através da fome e das guerras, e que teve seus maiores investimentos em países com recursos já limitados ou esgotados, invade, sem qualquer cerimônia, as nações onde o seu alimento encontra-se à mostra, quais sejam, mão-de-obra barata, matéria prima e mercado consumidor. Não importa onde, e, seja onde for, corromperá, desacreditará instituições governamentais e civis e se apropriará, a qualquer custo, dos recursos que lhe darão o combustível da sobrevivência e da concentração desenfreada. E, se algo der errado, se guerras ocorrerem e a miséria prevalecer, a culpa será da economia, ou seja, do Mercado, uma entidade impessoal, impune. E a casta do capital permanecerá intocada, fazendo o seu joguinho infernal nas bolsas e pouco se lixando para a desgraça pessoal dos seus “fornecedores – clientes”.
A sofisticação dos mecanismos de segurança do Capital depravado é tanta, que, qualquer risco para o mesmo, desencadeia uma crise globalizada, com repercussões para a população mundial.
A crise, então, na sua essência, é criada por quem?
Seria muito mais interessante se substituíssemos a palavra competitividade por criatividade ou alternatividade e dependência por auto – sustentabilidade e, é claro, resgatando a ética nas relações econômicas, com o Estado cumprindo a sua parte no estabelecimento de políticas favoráveis. Mas, parece-nos que isto tudo se perdeu numa retórica pandêmica, não é mesmo?
Difícil resgatar os valores do passado e já existe o ditado de que quem não observa os erros lá praticados corre o risco de repeti-los. Nesta lacuna, operam os oportunistas e os batalhões que sobrevivem graças à inversão de valores, retroalimentando o sistema. Um dia esta situação chegará à exaustão, mas, até lá, já teremos passado.