Felicidade Interna Bruta
Sem desmerecer os muitos tratados filosóficos do Ocidente sobre a felicidade, o tema parece ganhar matizes bem mais coloridos através da sabedoria milenar oriental. Um dos temas do momento entre governantes e economistas do mundo todo é um conceito já bastante conhecido do povo de um pequeno reino budista encravado nas montanhas do Himalaia, entre a China e a Índia. Em vez de PIB (Produto Interno Bruto), em Butão o que se mede de forma ampla é a FIB (Felicidade Interna Bruta).
Num planeta em que normalmente prevalecem conceitos capitalistas do tipo “tempo é dinheiro” e "amigos, amigos, negócios à parte”, chega a soar ingênuo uma nação (deliberadamente fechada ao restante do mundo) apostar na riqueza produzida por seu povo a serviço da felicidade coletiva. É como se uma aposta de tal magnitude ganhasse ares utópicos diante de princípios elementares da economia de mercado, a exemplo do lucro, da livre concorrência e do incentivo ao consumo para que a roda da fortuna nunca pare de girar.
Desde que li, pela primeira vez, como funciona a tal FIB naquele reino asiático, que impõe limites ao número de turistas por ano e a certas aquisições de cunho tecnológico, deparei-me com críticas que giram em torno justamente das muitas restrições impostas pelo rei Jigme Singye Wangchuck. Foi ele quem introduziu, já no início da década de 1980, a ideia de que a felicidade do povo deveria ser o propósito de qualquer governante.
Tomado por tal conceito, o rei solicitou ao Centro de Estudos do Butão que reunisse especialistas de todo o mundo a fim de se encontrarem os chamados pontos-chave para a felicidade, a satisfação com a vida e o bem estar da população. Após vários estudos foram apontados nove indicadores básicos (desmembrados em 73 variáveis objetivas e subjetivas), que atualmente compõem a FIB: bom padrão de vida econômica, boa governança, educação de qualidade, saúde, vitalidade comunitária, proteção ambiental, acesso à cultura, gerenciamento equilibrado do tempo e bem estar psicológico.
O incrível de tais indicadores é que são todos absolutamente conhecidos e possíveis. Não foi descoberta qualquer poção mágica em plantas só existentes no Himalaia que fizesse a diferença para a felicidade do povo daquela nação. Até porque lá mesmo ainda há muito caminho a trilhar para que sua FIB esteja nos mais altos patamares.
Já foi apurado em pesquisas sérias que a Felicidade Interna Bruta aumenta proporcionalmente ao padrão econômico que possui um determinado povo até certo ponto. Depois disto o grau de felicidade começa a declinar, colocando em xeque a teoria de que progresso está ligado exclusivamente às riquezas materiais acumuladas pelas nações.
Conhecido em Butão como ministro da Felicidade, o coordenador das pesquisas sobre FIB daquele país – Karma Dasho Ura – esteve em São Paulo em outubro do ano passado para participar da 1a Conferência Nacional da FIB. Na oportunidade ele exemplificou o que seria um ponto de equilíbrio no tempo gasto por um indivíduo para produzir riquezas para o país, para si próprio, sem perder de vista o descanso, o lazer e, consequentemente, os próprios princípios da felicidade. Ele afirmou que seis horas de trabalho por dia seriam o suficiente para produzirmos o necessário e ainda tornaria possível que cada ser humano dormisse as horas de sono de que precisa, se socializasse, pudesse se dedicar um pouco ao autoconhecimento e praticasse atividades físicas diariamente.
A Felicidade Interna Bruta é coerente, concreta e muito fácil de ser posta em prática. O seu único problema é esbarrar no interesse de uma minoria, que em todo o mundo detém os poderes político, econômico e bélico. São os disseminadores das desigualdades de classe e de oportunidade – as mesmas que fazem uns morarem em mansões, enquanto outros moram em caixas de papelão debaixo de viadutos. O princípio da FIB é que ela tem que ser equitativa para ser real.