Sem autonomia, sem alteridade
Envolvido em um estudo sobre dois conceitos elementares para a Filosofia e para a Psicopedagogia, surpreende-me constatar o quanto ambos são profundos e universais. Meu foco se dirige para a importância da autonomia e da alteridade em todas as fases de vida do ser humano.
De um lado somos, entre todos os animais, os únicos que necessitam de um longo tempo de cuidados dos pais para alcançar o mínimo de autonomia em termos de sobrevivência básica. Os demais são levados a cuidar de si próprios tão logo deixam de amamentar. Por outro lado, ser autônomo em sociedade é muitíssimo mais complexo do que a vida selvagem é para qualquer outra espécie.
Por mais que vivamos uma vida reclusa e independente, ainda assim somos dependentes do outro. Por isto autonomia e alteridade são conceitos (e práticas) complementares. Para os que desconhecem, alteridade é, em essência, a capacidade de se colocar no lugar do outro nas relações interpessoais, em qualquer esfera.
Por serem amplos e de uso diverso, tais conceitos são vistos pela ótica da Filosofia e da Psicopedagogia como degraus ascendentes para o amadurecimento do indivíduo. Se os dois são reforçados através da família, da escola e da sociedade, como um todo, só aumentam as perspectivas de um mundo mais completo, justo e fadado à felicidade coletiva. Ao contrário, a falta deles leva ao egocentrismo, à corrupção de valores positivos e à desintegração social.
Em Filosofia, autonomia está diretamente ligada ao uso da razão como ferramenta para o caminhar com as próprias pernas. Sócrates, que viveu na Grécia há cerca de 2.400 anos, apontava o pensar bem como uma espécie de passaporte para o ser autônomo, capaz de se livrar da “sina de rebanho”, que acomete milhões de pessoas mundo afora.
Embora não seja uma frase atribuída a esse filósofo, o “conhece-te a ti mesmo” (frase inscrita na entrada do templo do deus Apolo) era uma de suas recomendações mais elementares. Para ele, somente através do autoconhecimento é possível uma pessoa pensar por si própria e encontrar seus próprios caminhos.
Um dos filósofos e psiquiatras mais conceituados do século 20 e um dos fundadores do Existencialismo (corrente filosófica que defende a total responsabilidade do ser humano na construção de sua própria existência), o alemão Karl Jaspers ressaltou que “quem se dedica à Filosofia coloca-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus concidadãos, do destino da humanidade”.
Por sua vez, o psicólogo e filósofo suíço Jean Piaget (um dos pensadores do século passado mais admirados e estudados até hoje) enfatizou que a autonomia é um pré-requisito para se chegar à alteridade. Como um dos teóricos que embasaram o Construtivismo (corrente que tem como base a tese de que o conhecimento não é um processo pronto, e sim em constante construção), ele relacionou a autonomia com as relações cooperativas. Neste sentido, o sujeito autônomo é, antes de tudo, alguém que, no desenvolvimento de suas ações, reconhece a existência do outro e, por isto mesmo, passa a reconhecer por sua própria opção a necessidade de regras, de hierarquia, de autoridade. Nesta perspectiva, autonomia é sinônimo de autoconsciência, de autodeterminação, em prol não somente do próprio crescimento enquanto ser que pensa e aprende, mas de um bom convívio social, pautado no respeito mútuo de ideias e opiniões.
Não são todas essas, afinal, perspectivas possíveis de emancipação da humanidade, individual e coletivamente? Não são esses alguns dos pressupostos básicos tanto para a autonomia quanto para a alteridade? Infelizmente, olhando mais para o próprio umbigo, andamos desinteressados em partilhar (e nos responsabilizar também!) o destino do planeta, o nosso próprio futuro. Tomara que esta dívida não seja alta demais para ser quitada...