LIMERÊNCIA OU O AFETO IRRACIONAL

Todos aqueles que fazem uso da Internet sabem o quanto ela fascina, envolve e se, tornou, sem sombra de dúvidas, o maior meio de comunicação que já se criou. Por isso ela é fantástica, tanto pela velocidade com se consegue se comunicar hoje, como por ser a maior biblioteca do mundo, pois nela se encontra tudo, ou, quase tudo. Tenho dito que, em face ao que ela oferece, se tornou a maior psicóloga do mundo também, pois tem sido o divã para muita gente, pois nela se encontra, mesmo à distância, uma pessoa com quem compartilhar alegrias, tristezas, sentimentos etc. Nela também se cria relacionamentos que se tornam reais ou apenas virtuais. E não são poucos os encontros virtuais que se transformam em reais e até em casamento, ou uniões estáveis. Dessa forma a Internet é um celeiro onde muitos fenômenos acontecem – fenômenos que, usando a pensamento de Nietze são humanos, demasiadamente humanos.

Esses fenômenos ocorrem em salas de bate-papo, em sites de relacionamentos tais como: Beltrano, Gazzag, Amigos.com e, principalmente, no Orkut, por ser o mais conhecido e usado. Estou me referindo ao fenômeno relacionado com os sentimentos, as emoções, o sexo – sexo virtual. Onde entra a fantasia e abdica-se da realidade para se viver um mundo particular, criado por cada um dos internautas. São homens, mulheres, adolescentes, solteiros ou casados, heterossexuais, bi-sexuais e homossexuais que, sem medo de si mesmos, conseguem ser o que gostaria, na frente de um computador, e na solidão de seu quarto, de seu escritório ou consultório. Na expressão de seus sentimentos, revelam para o virtual, aquilo que nunca revelaria pessoalmente. O sexo, a amizade, as declarações de amor, assumem uma posição de realidade. É o mundo mágico da Net que produz tudo isso, mas também produz reencontros com pessoas que não se via há anos. Ela é benção e maldição ao mesmo tempo. Benção, na medida em que facilita nossas vidas em diversos aspectos. Maldição, porque ela faz com que nossas fantasias, “nossos pecados ocultos”, se manifestem, fazendo com que, muitas vezes, enveredemos por um labirinto que, quando encontramos a saída, já causamos danos a pessoas ou sofremos os danos, principalmente, no que tange a expressão de afetos, em face as afinidades e reciprocidades existentes entre os internautas, onde virtual se torna tão real que muita gente perde o contato com a realidade. E não são poucas as pessoas “vítimas” de situações deletérias – aquelas relacionadas com os sentimentos.

Há dois anos mais ou menos, venho fazendo o uso quase que diário da Internet. Nesse período eu já vivi os mais variados tipos de experiências, tais como: já tive minha página do orkut, email e MSN invadidos e senhas roubadas. Já recebi cantadas de homens e mulheres, solteiros e casados. Muitos homens e mulheres já se declararam “apaixonados “ por mim; me mostrei na webcam e vi muita gente através dela; já reencontrei alunos, amigos e parentes pelas páginas do orkut ou fui encontrado por eles. Já me encontrei com algumas pessoas conhecidas virtualmente ou elas se encontraram comigo. Em cada experiência a tristeza, alegria e a frustração se fizeram presentes. Enfim, como diz a musica de Roberto Carlos “são tantas as emoções” que decidi escrever este texto. O motivo é que eu queria expor esse fenômeno que leva uma pessoa a escrever e falar as mesmas palavras, as mesmas declarações de afeto para pessoas diferentes ao mesmo tempo. Ou, o que é esse fenômeno afetivo que envolve, cria êxtase e faz as pessoas a viverem uma realidade que está apenas na cabeça delas.

Para isso eu mesmo decidi viver essa experiência. Diria que me tornei uma “cobaia”. Corri o “risco”, em face da freqüência com que homens e mulheres visitavam minha página do Orkut ou pediam para adicioná-los no MSN. Decidi me levar por suas fantasias e cheguei a estimulá-los. Bati papo com inúmeras pessoas, salvando-os em meu computador. E o resultado foi o seguinte:

100% das pessoas (homens/mulheres) fazem sempre as mesmas perguntas, do tipo: “Você é casado?”; “Posso ter alguma esperança com você”? “O que você curte?”; “Você é hetero, bi ou homo?”; “Já teve experiência com homens”?; “Gosta de sexo virtual?; “Com mulheres, o que prefere?”.

100% das pessoas (homens/mulheres) fazem os mesmos pedidos e as mesmas declarações, do tipo: “posso ver você através da Cam?”; “Você pode mostrar seu corpo”? “Estou apaixonado(a) por você”; “Sabe, eu não sei porque estou te dizendo isso, mas quero que saiba que eu te amo”. “Vi sua foto no álbum do orkut e fiquei encantado(a) com seu sorriso e esse bigode”. “Adorei seu álbum, você pode adicionar no MSN?”

70% dos que mais me pediram para adicioná-los foram homossexuais e 30% mulheres.

90% das pessoas, quando descartadas tem a mesma reação (pedem desculpas ou xingam), outras 10% reagem bem e saem numa boa.

Minha pesquisa de campo me mostrou que os homossexuais predominam na exarcebação de seus sentimentos, mais que as mulheres – estas são mais contidas, já os homossexuais são extremamente diretos.

Como escrevi anteriormente, minha intenção era o de escrever sobre esse fenômeno, e, em uma de minhas viagens ao interior de São Paulo, passei por uma banca de revista e jornais, quando uma revista me chamou atenção, cujo nome era “Ciência e vida – Psique”. O tema da capa era assaz sugestivo, por isso não exitei em comprá-la. Ao folheá-la me vi frente a um artigo denominado “Limerência, um fenômeno humano”. Esse termo foi cunhado por Doroty Tennoy, autora do livro “Love and limerence: the experience of behind in love (Amor e Limerência: a experiência da paixão). Ao ler esse artigo percebi que havia muita similaridade com aquilo que eu pensava ser o fenômeno que eu havia denominado de “promiscuidade sentimental na Internet”. Assim sendo, sabendo agora que alguém já havia dado o nome para esse fenômeno, decidi mudar o titulo para “ Limerência: um fenômeno virtual humano, demasiadamente humano”. É sobre isso que vou escrever, do meu jeito, com a minha própria forma de ver e sentir o fenômeno. Com a minha cara, Então vamos lá.

PRESSUPOSTO BÁSICO

De certa forma as pessoas hoje em dia, mais do que nunca, se encontram muito sozinhas. Por diversos fatores tais como sociais, psicológicos, emocionais e familiares sentem a necessidade de ter alguém que as legitimizem, ou seja, que se importem com elas, que lhes digam que tem valor, e que são merecedoras de estima e afeto – que lhes dê “colo”. Sofrem de solidão afetiva, que é um sentimento profundo de querer pertencer a alguém. De se sentir amado. E, nessa busca usam, além de outros meios, a Internet como ferramenta para encontrar o que tanto desejam. Alguns encontram, outros não. E, outros, vivem das fantasias criadas,quer seja através das páginas de relacionamentos; quer seja do teclar no MSN; quer seja num ligar de uma webcam. E, assim, cada um a seu modo, vai alimentando essa solidão afetiva.

O OBJETO ELEITO

Este termo, proveniente da psicanálise, denota traços que uma pessoa busca em outra para vincular-se a ela, e ocorrem freqüentemente no contexto da Internet.

Digo que pessoas com graves necessidades afetivas não esperam nem buscam carinho porque nunca o receberam – nem sequer de si mesmas -, e posso acrescentar que tão pouco estão capacitadas a dá-lo pelo mesmo motivo, por isso simplesmente se apegam obsessivamente a um objeto que idealizam. Por que só se interessam por objetos que idealizam? Porque sua autoestima deficiente provoca nelas um estado de fascinação quando encontram uma pessoa que julgam ser tremendamente segura de si, com certo êxito ou capacidades (embora muitas vezes sejam mais suposições do que a realidade), e que observa o resto do mundo do alto. É como se a pessoa visse o seu “salvador” nos objetos que possuem o que lhes falta: o amor próprio.

Esse processo de idealização é um fenômeno semelhante ao de ídolos e fãs na adolescência: fascinação ante objetos suscetíveis de deslumbramento por possuir características que o distingue dos demais. Nesse caso tal pessoa ver o amor como apego e admiração do objeto idealizado, e não como um intercâmbio recíproco.

Na Internet essa “fascinação” tem algumas características: o objeto eleito não pode ser qualquer pessoa; tem que ser um tipo extremamente másculo (para os homossexuais, principalmente); aparentar ter uma boa autoestima, ou seja, demonstrar serenidade e tranqüilidade no lidar com as situações geradas pelos contatos (geralmente a fotografia no álbum do orkut, provoca isso); ser atraente; ser do tipo “paizão” (para alguns, é claro); ser alguém que desperte desejo e capaz de produzir fantasias e êxtase; ter algumas características do perfil que a pessoa deseja. Por exemplo: baixinho, alto, magro, gordo, peludo, sem pelos, com ou sem bigode, de meia idade, jovem, ou no jargão gay “coroa”, “bear” (homens peludos) ou daddies (jovens).

NA PRATICA COMO COMEÇA O PROCESSO DE IDEALIZAÇÃO/FASCINAÇÃO

Visita á página do Orkut.

Leitura do perfil.

Visita ao álbum de fotografia.

Envio de “scrap”, sinalização do inicio da fascinação, com o desejo de manter contato. Alguns exemplos:

Mensagens dando impressões sobre o perfil e do álbum carregadas de afetividade e emoções. Alguns exemplos:

Solicitação para adicionar na página de amigos ou no MSN.

Na página do orkut são constantes as mensagens com conotação afetiva.

No MSN, há uma inquirição sistemática sobre preferências, desejo, do que se deseja, do que o outro espera e até a pratica do sexo virtual. Muitas vezes acontece uma aparente reciprocidade, o que desperta em um dos pares expectativas e frustrações ao mesmo tempo.

Em síntese: poderíamos nesse contexto dizer que: “O amor nasce no olhar”.

O QUE É LIMERÊNCIA

Feitos estes comentários iniciais que devem servir como pano de fundo, haja vista que meu objetivo foi primeiro situar alguns conceitos e contextos para que se compreenda o que eu quero dizer ao escrever sobre “limerência: um fenômeno virtual e humano, demasiadamente humano no orkut”.

Limerência pode ser definida como um tipo de paixão que apresenta um quadro psicofisiológico incontrolável, distinto das outras formas de amor e que implica em uma maneira de atuar e de perceber o mundo, no caso em tela, o virtual, de forma distinta. Esse tipo de sentimento é um fenômeno capaz de induzir depressão ou levar ao êxtase, no qual se pode sentir caminhando nas nuvens em um instante ou querendo se suicidar no outro. Esse tipo de amor é fortemente monogâmico, uma compulsão por uma pessoa em particular, embora o que é dito a uma pessoa em particular, pode ser dita a mais de uma pessoa ao mesmo tempo, como acontece na Internet (MSN, Orkut). E mais, a limerência pode se dirigir a uma única pessoa ou a várias pessoas, mas o mecanismo é sempre o mesmo.

O Dr.Nelson Silva Junior, diz que a limerência “tem a ver com o sentimento pelo inalcançável, misturado com a possibilidade de conquista (reciprocidade) com uma pitadinha de imaginação”.

Para compreendermos melhor esse fenômeno, vamos chamar a pessoa que experimenta tal sentimento de “Limerente”; e a pessoa a quem se deseja a reciprocidade de “Objeto limerente”.

A limerência difere do amor no sentido de que seu objetivo é a RECIPROCIDADE e não, necessariamente, a preocupação pelo bem estar de outro.

A limerência designa um fenômeno único, um estado normalmente descrito como “estar apaixonado”. Sabemos que o amor pode ser uma escolha, a limerência não, haja vista que é um estado emocional que difere fundamentalmente de outras formas de atração.

Para que a limerência seja instalada não é necessária à correspondência amorosa, pois a qualquer sinal dado pelo “objeto limerente” já pode ser interpretado como uma intenção. Esse sentimento também pode ser chamado de: ”amor mais amizade”; “amor infeliz”; “amor que produz sofrimento”; “coração partido”.

Frases mais comuns na limerência: “estou apaixonado”; “não sei porque tenho que dizer isso: mas estou te amando”; “sou capaz de deixar tudo só pra ficar com você”; “será que tenho alguma chance com você?”.

Na limerência a pessoa não se apaixona pela outra, mas, pelo significado que ela própria dá à outra pessoa, que, no fundo nada tem a ver com a realidade. Essa imagem, criada, tende a suprimir e desprezar traços reais negativos ou contraditórios. O significado é simbólico e tem um poder brutal.

Por exemplo: uma pessoa conhece outra através da página do Orkut sendo que uma mora em São Paulo e a outra mora no Maranhão. E num simples teclar já diz a outra que está “apaixonada” e que daria tudo pra ver essa pessoa. Nesse caso ela não está apaixonada pela outra, pois pela lógica isso não é possível, pois nem se conheceram, nunca se viram, mas pelo significado que ela deu a outra pessoa, que nada tem a ver com a realidade. Houve a idealização e a fascinação que dá origem a um sentimento que quando expresso parece ser muito real de quem o está sentindo. E até diria que é “real”, mas um real fora da realidade.

“O limerente ama por dois”, segundo o Dr. Nelson Silva Junior: ele e o objeto limerente. E aqui convém ressaltar que a questão das afinidades que se estabelece virtualmente, da receptividade do envolvimento afetivo – cria-se uma realidade baseada naquilo que está se obtendo – nasce, portanto as expectativas e as frustrações também.

APLICAÇÃO – UM CASO REAL DE LIMERÊNCIA.

Esse fato realmente aconteceu. Mas aqui os nomes serão trocados para proteger as pessoas que viveram esta experiência.

Ricardo tendo recebido um convite para se tornar membro do ORKUT, monta sua página. Depois de preencher todos os seus dados, monta seu álbum de fotografias. Ricardo é um ser humano fantástico, simpático, suas fotos revelam serenidade, tranqüilidade e ele as tira sempre sorrindo. É muito fotogênico. Diria que é do tipo encantador. Ninguém sabe o dia-a-dia de Ricardo, ninguém sabe de suas lutas. Na Internet, só raramente, compartilha com alguns amigos internautas um pouco de si. O número de pessoas que visitam seu “profile” chega hoje à casa de 20.000, isso desde fevereiro de 2005. Para se ter uma idéia de como ele chama atenção. Ricardo é heterossexual. Foi casado e tem filhos. Mas na Internet, é gentil com todo mundo. Trata todo mundo com respeito e com carinho independente de cor, raça, orientação sexual etc. Costuma substituir suas fotos sistematicamente, pois faz da fotografia um hobbie. Além de fotografar adora fazer montagens usando como ferramenta o photoshop. E foi uma dessas montagens que colocada no álbum do orkut, com a inscrição “Sou como uma fênix, a cada crise, me sinto mais renovado e forte”, que serviu de mola propulsora para essa experiência com o fenômeno com a limerência.

Um dia do mês de setembro de 2006, Ricardo vai ver seus “scraps” e lá tem um nos seguintes termos: “Gostei de você, pois também me sinto uma fênix, eu também sou uma pessoa que já sofreu muito”, assinado por Douglas. Ricardo responde:”Obrigado por sua visita, espero que você nunca desista de si mesmo, nem de seus sonhos. Um abraço”. A partir daí, os “scraps” entre Ricardo e Douglas se tornaram sistemáticos. Até ai nada de anormal. Num outro dia, Ricardo abrindo seus email, encontrou um enorme. Era de Douglas que contava toda a sua história. Aliás, uma história triste, mas que também revelava como alguém, como ele, fora capaz de transformar dificuldades em possibilidades. Numa outra oportunidade, ao abrir seu MSN, ali estava o Douglas pedindo para ser adicionado. O que Ricardo aceitou. Foi a partir daí que a Limerência, que já estava instalada em Douglas, começou a se manifestar com expressões do tipo: “sabe cara, to muito feliz por ter achado alguém que me entende e que sofreu na vida tanto como eu, mas que se tornou um vencedor (uma referencia a pessoa de Ricardo); “sabe amigo, queria falar a você algo (a primeira tentativa de aproximação e de pesquisa para saber qual era a orientação sexual de Ricardo), desde criança me sinto estranho, já namorei e transei com várias meninas, mas lá fundo eu gosto de homem. Acho que sou bi-sexual.(Aqui Douglas estava querendo uma resposta de Ricardo, para poder se sentir livre para expressar o que sentia”. Na limerência ele estava buscando a reciprocidade). Ricardo responde:”Eu não vejo problema nisso, pois acredito que amar alguém independe de ser homem ou mulher, haja vista que o amor tem vários nomes e vários endereço. Eu, por exemplo, não teria nenhum problema, mesmo sendo hetero, de amar um homem, se assim sentisse e quisesse, e isso não ia me fazer me sentir um homossexual. Com essa colocação a cabeça de limerente de Douglas viu como uma intenção de Ricardo de cultivar algo a mais com ele. Não sabia ele que essas colocações de Ricardo, por ser ele um profissional da saúde, estava baseada no fato de Freud argumentar que todos os relacionamentos amorosos, não só entre amantes, mas com pais, filhos, amigos e com o resto da humanidade, são sempre de amor sexual, com o objetivo de uma certa conexão sexual. Em todos os relacionamentos, exceto no de amantes, o sentimento é naturalmente desviado, mas o impulso permanece silencioso e alterado. E por sermos todos, em graus diferentes bissexuais – porque, como diz Freud, “nenhum individuo é limitado à reação a um único sexo, mas sempre encontra lugar para sentimentos em relação ao sexo oposto” -, o desejo sexual silencioso e alterado estará presente também nos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Isso significa que amizades de homens com homens e mulheres com mulheres contêm elementos eróticos inconscientes. Mas isso não significa, entretanto, que estamos morrendo de vontade de ir pra cama com nossos amigos.

Na verdade, para a maioria das pessoas, amizades com pessoas do mesmo sexo simplesmente não seriam possíveis se os sentimentos sexuais não estivessem isolados – parcialmente reprimidos e parcialmente conduzidos por outros canais, expressando-se como preocupação carinhosa, devoção e afeição. Entretanto, essa afeição amigável, especialmente entre homens, raramente é demonstrada por meio de contatos carinhosos, pois, ao passo que as mulheres podem se beijar e abraçar sem despertar ansiedades homossexuais, uma pancada no ombro ou um tapa amistoso nas costas é o máximo que a maioria dos homens (a despeito da tendência atual para estereotipos de homens menos machos) se permitem.

Um fato a ser ressaltado é que mesmo quando o sentimento erótico é consciente, não indica necessariamente uma escolha sexual. Como observam alguns psiquiatras num livro muito esclarecedor, Amigos e amantes na Universidade, ter sentimentos sexuais para uma pessoa do mesmo sexo – até mesmo ter algumas experiências sexuais – “não significa necessariamente que o individuo deve se definir como” homossexual”. Esses sentimentos podem ser subordinados a sentimentos heterossexuais, que representam a orientação dominante.

Douglas se abre para Ricardo, conta sua historia repetidas vezes, fala da paixão que teve por um professor seu de Educação Física , da paixão que o prefeito da cidade onde morava teve por ele, mas que ele não correspondeu. Ricardo acolhia Douglas, escrevia-lhe palavras de encorajamento e algumas vezes afirmava que gostava muito de Douglas. Douglas repetia sistematicamente expressões como: “Finalmente, encontrei alguém que me entende”; “Nunca ninguém me valorizou tanto como você”. Pediu que Ricardo, se pudesse, lhe mandasse uma roupa usada sua – uma camisa, de preferência. Ricardo manda-lhe uma camisa e outros brindes. Douglas começa a pensar que nesse comportamento de Ricardo também há a intenção de querer algo com ele. Mas Ricardo é assim mesmo, com todo mundo. Desprendido. Afetuoso. Muito próximo das pessoas. Um ser humano, difícil de aparecer por ai de graça.

Douglas tecla com Ricardo quase todos os dias, pois Ricardo mantêm o PC sempre ligado, porque gosta de escrever e de conversar com as pessoas virtualmente. Um exemplo dos emails que Ricardo recebeu de Douglas.

“Bom dia meu raio de sol!

“È, teremos mais um feriado esta semana, estará em casa ou viajará? Se viajar, quero que me leve no teu coração. rsrsrsrss

Nunca tinha ficado tão contente em ouvir sua voz como tinha ficado ontem, o dia 28 de outubro pra mim, é uma data triste, pois ontem fez 19 anos que minha mãe partiu, tempo de uma vida, tinha 7 quando tudo aconteceu. Hoje acordei bem cedinho pra ir visita-la no cemitério, aqui em Sumé os dias são sempre iguais, muito calor, um tédio só, esta manhã não foi diferente. Rezei por ela, olhei a foto do tumulo, lembrei de algumas coisas, umas alegres; outras tristes, mas lembrei. Desejei estar em tua presença, conversar um pouco com vc, ouvir sua voz, sentir teu carinho. Vc me disse que no dia em que nos vermos, eu entenderia o porquê de ter te conhecido, tenho me feito esta pergunta todos os dias, não lembro de ter sentindo um sentimento por alguém tão forte como este que tenho por vc, quando te escrevo, é como se as palavras saissem do coração, fico bem comigo mesmo quando te escrevo, pois eu não os faço pra vc e sim pra o seu coração, é como se falasse diretamente a ele. Encontrei um outro sentido na vida, estava muito preocupado em ganhar dinheiro, em estudar dia e noite, mas havia esquecido (por opção minha), o que é realmente amar uma pessoa, então encontrei vc, seu carinho, sua atenção, suas palavras, tudo isso mudou minha visão da vida, sei que sou imaturo, tenho me comportado de forma até infantil, pois até acho que te aborreço em te falar tantas vezes que te amo, mas é uma forma de esteriorizar este sentimento, pois estamos longe, e alimentar um amor a distancia é complicado, tenho me apegado a esperança de sua vinda, pois teremos muito que conversar, e eu quero te sentir, te beijar, te abraçar. Quero sempre lembrar vc não apenas como a pessoa que amo, mas tb por ser um anjo em meu caminho.

Quando entrar no orkut, vai no meu perfil pois tem uma mensagem pra vc no album.

Então hoje estou te escrevendo não apenas pra te dizer que o amo, mas te fazer um pedido, um convite, sabe, me deixaria feliz se vc viesse no natal pra cá, estas datas de final de ano não são significativas pra mim, pois nunca tive um natal de verdade, minha familia é dispersa, mas queria tornar esta data diferente a partir deste ano, sua presença mudaria tudo, eu poderia mostrar meu mundo, meus pensamentos, tornar vc minha grande e eterna lembrança, não apenas de amor, mas tb de carinho e amizade, não como amante, mas como um pai, a mão que dá a mão.

Meu amor por vc não é só desejo sexual, é tb um carinho imenso, vontade de dar a vc o que não dei a mais ninguém. Então quero que reflita, saiba que este seu ato tornará o natal de alguém muito especial, o natal da pessoa que te ama acima de tudo. Caso venha, reservarei sua passagem de volta como prometi, e a mandarei pra vc por sedex, assim vc já virá com a garantia de volta, basta apenas me falar a data de retorno.

Eu te amo.

Douglas, fala da emoção que sentiu ao receber a camisa de Ricardo e os brindes que este lhe enviara. E em troca envia para Ricardo um livro e cd gravado com musicas românticas, onde se lia na capa: “para você lembrar de mim, sempre que ouvi-la”.

Já são passados mais de dois meses em que Ricardo e Douglas se conheceram. Teclam quase todos os dias e já se viram na Webcam várias vezes. Douglas achou Ricardo muito bonito e ressalta seu rosto de macho e o bigode. Também diz que gosta de ouvir a voz de Ricardo, pois passou a ligar para Ricardo quase todos os finais de semanas, já que ele morava em outro estado.

Ricardo numa das conversas expõe um pouco de sua vida: a sua separação de sua esposa; diz que está desempregado; está com problemas financeiros; que mora sozinho num quarto alugado. Douglas se mostra muito atencioso e compreensivo.

Quando Ricardo não teclava com ele, dizia que estava morrendo de saudade e que sentia falta de Ricardo.

Ricardo está tranqüilo com a relação. Gosta de Douglas. Brinca sempre com ele..fala de seu sotaque nordestino..os dois criam apelidos e metáforas quando se comunicam. Um dia Douglas diz a Ricardo: “Preciso te dizer uma coisa. Espero que depois que te dizer não perca sua amizade”. Ricardo como sempre, usa sua inteligência e humanidade e diz: “Pode dizer, pois independente do que você vá me dizer, quero que saiba, que não é um comportamento seu, ou uma palavra que eu não goste de você, que vá definir seu caráter ou me fazer deixar de gostar de você.” Douglas diz: “Estou apaixonado por você”. “Quero muito ver você”. “Estou pensando em pagar sua passagem de ida e volta, para vir me ver aqui. Pois esse seria meu presente de natal, saber que alguém veio de tanto longe me ver”.

No oferecimento da passagem a Ricardo, Douglas revela um aspecto importante da limerência, é que no início o limerente obedece a aspectos aparentemente sociais e pode se apresentar sob a capa de generosidade. Mas a oferta de presentes, a doação, não é nenhuma generosidade, mas sim uma tentativa de prender o outro e ver se há reciprocidade ou não do “objeto limerente”.

Ricardo expõe a Douglas o que pensa do envolvimento homossexual e o que realmente sente por ele. Diz que é inalcançável, por ser o que é, por pensar da forma que pensa e por não ter o sentimento que pudesse fazê-lo querer vê-lo em outro estado. Mesmo assim Douglas faz afirmações como: “eu tenho certeza de que você ainda vai mudar de posição”. “Tenho certeza que você é a pessoa que Deus me deu para viver comigo”. Douglas tenta fazer Ricardo pensar que este não sabe o que quer. Se enganando terrivelmente porque Ricardo sempre soube o que é, e o que quer.

Um dia Douglas, ao ver Ricardo através da webcam disse: “Nossa! Você está com o rosto tão bonito que parece que andou vendo periquito verde”. Ao que Ricardo respondeu: “E vi mesmo, porque ontem encontrei minha ex-esposa e fomos para um motel”. Ao que Douglas respondeu: “Você não sabe como eu estou me sentindo agora ao ouvir isso. Afinal, estou aqui sem ninguém, e você sem qualquer problema me diz que saiu e transou com uma mulher”. “Nunca imaginei que você fosse capaz de fazer isso”.Ao que Ricardo responde: “Mas, desde quando eu disse que tenho qualquer compromisso com você? Muito pelo contrário, sempre disse que gosto muito de você, mas como amigo, o resto e produto de sua mente e desse ”estar apaixonado por mim”. Como limerente em face dos comportamentos atenciosos de Ricardo, Douglas achava que Ricardo tinha a intenção de ter “caso” com ele. Aqui vemos a comprovação do que já escrevi: na limerência a pessoa não se apaixona pela outra, mas, pelo significado que ela própria dá à outra pessoa, que, no fundo nada tem a ver com a realidade. Essa imagem, criada, tende a suprimir e desprezar traços reais negativos ou contraditórios. O significado é simbólico e tem um poder brutal.

Geralmente como acontece numa situação como essa, a limerência é apenas uma parte que deseja ardentemente a reciprocidade. Em caso de ser detectada que esta não existe e as expectativas do limerente (no caso o Douglas), este agride, ameaça, chantageia, tenta por sentimento de culpa no outro, mas no mínimo sinal de importância, por parte do objeto limerente, o limerente volta à posição inicial do ser apaixonado, como se nada estivesse acontecido.

A história poderia continuar, mas termino aqui. Douglas e Ricardo se corresponderam de setembro a dezembro de 2006, quando romperam definitivamente, pois não havendo reciprocidade por parte de Ricardo, e ainda por este ter um relacionamento estável com uma pessoa há mais de um ano, fato este não revelado, a principio a Douglas, por conta de um pacto feito entre Ricardo e objeto real de seu afeto (uma jovem em processo de separação). E tendo Douglas, perito em informática, invadido o email de Ricardo (roubando sua senha), e descoberto emails que sua amada lhe mandava, o rompimento foi definitivo. Mesmo assim Douglas de vez enquanto manda email para Ricardo. O ultimo foi este. Observem o conteúdo típico de um limerente: que passa a idéia de um “amor sofrido”; “de um estado letárgico, do tipo: “veja como estou sofrendo”; “de uma resignação mórbida”.

“Sabe Ricardo? Não entendo porque não consigo te esquecer; não entendo porque gosto tanto de você; não sei porque sempre que vou dormir e quando acordo penso primeiro em você.”

“Está sendo difícil pra mim! Gosto muito de você. Tenho tentado ser chato, irônico, mal, em suma: tenho tentado ser o que não sou apenas pra esconder a dor que estou sentindo. Sinto tua falta no MSN, sinto falta de ouvir tua voz, sinto falta de você.”

“É, eu sei, tudo isso é porque te amo!”

Douglas.

Ah! Ia me esquecendo: num contato bem recente com Ricardo, Douglas lhe disse que está se relacionando com uma outra pessoa. E, ele está sentindo que essa pessoa está se apaixonando por ele. Xii..vai começar tudo de novo! Claro, num novo endereço.

Conclusão

E ai? Gostou do texto? Complicado? Incompreensível? Ou foi esclarecedor? Você já viveu uma experiência como esta? Ou está vivendo? Se não, quero lhe dizer, que esse fenômeno acontece dentro ou fora do computador. E, mais: você pode ser a próxima vítima.

Edivaldo Pinheiro Negrão

Psicólogo, palestrante na área da saúde emocional.

edivaldopinheiro
Enviado por edivaldopinheiro em 12/07/2009
Código do texto: T1695600