Publicado originalmente no Jornal da FERP nº 06 - out-nov/2002 - Pág. 9

TEMAS PARA FILOSOFAR 2: AMOR

"O último paciente de que tratei sofria de um ro­mantismo completamente incurável, e o que é pior, altamente contagioso." Jack Micler <ou Don Otávio deI Flores >- personagem de Malron Bran­do em "Don, Juan De Marco")
 
Ao se referir ao lendário personagem do filme, muito mais lendário que personagem, uma verdade pairava absolu¬ta nas palavras ditas pelo consagrado Marlon, agora gordo, velho, mas com o mesmo talento peculiar de quem sabe viver a mensagem que um autor gostaria que ele vivesse.
 
O filme, recheado de romantismo e sensualidade, con¬tagia, desde a música perfeitamente interpretada por Bryan Adams, a cada descrição do personagem central, vivido por Johnny Depp. Certamente os leitores me perguntariam por que agora, alguns anos após seu lançamento, um comentá¬rio sobre seu conteúdo. A resposta é evidente: a mensagem do filme combina perfeitamente com os dias atuais e com o tema escolhido para filosofar, a saber amor.
 
O amor, olhado com desconfiança, com carinho, imortalizado em obras como "OS AMANTES" de Pablo Picasso, considerado como "um pouquinho de saúde, um descanso na loucura", por Guimarães Rosa, e dignificado na mais preciosa afirmação de Goethe - "Mundo! Que és tu para um coração sem amor?" - está entre os temas necessários para se filosofar, ultrapassando os limites do espaço físico e até do metafísico, para alcançar mais longe a razão de sua existência, a expressão de seu ideal, o ar de sua respiração. É necessário que sentimentos, principalmente o que chamamos de amor, se incorpore nas veias do infinito, nas asas da eternidade e que despedace as rochas que tentarem se lhe opuser; que marque o curso de seu rio com frescor e serenidade, até que o mar seja inevitável para o seu desaguar e seu complemento.
 
Considerando isto, creio ser o momento de abrir um espaço dentro dos comentários meramente filosóficos ou sociopolíticos, para retratar um pouco do poeta, nas linhas que demonstrem que também as lutas precisam de amor. Precisam de amor para manter acesas as chamas de quem quer lutar, precisam de amor para se sentir humanas, precisam de amor para ter forças para despedaçar e para juntar os pedaços, precisam de amor para estar vivas. E o amor, em suas diversas fases, pode proporcionar os sonhos, pode alimentar a esperança e pode até mesmo ser companheiro nas solidões que ele mesmo nos encurrala de quando em vez.
 
Se nossos filósofos, através dos tempos, buscam explicar caminhos que minimizem o sofrimento ou que apontem a felicidade, também dentro da filosofia (note, em seu nome há o amor) existirá o desejo ardente de que sentimentos que atualmente escasseiam-se entre os homens, como o amor e o romantismo, sejam incuráveis naqueles que ainda os possuem. Que seja incurável o desejo de buscar a lua no céu, que seja incurável a expectativa de que o amanhã nos reservará uma boa surpresa, que seja incurável a capacidade de fazer das folhagens flores perfumadas e ofertas suaves à pessoa amada, que seja incurável e que seja completamente incurável a capacidade de enxergar a fantasia, de vislumbrar pétalas de orquídeas em leito de amor, mesmo que o encontro e o amor ainda estejam presos a olhares desconsertados, à limitação do espaço ou do tempo, ou até mesmo à falta de condição para vivê-los intensamente.
 
Não me reporto hoje aos vários tipos de amor, mas a um especial, sobre o qual se pode filosofar sem se confundir, embora talvez não se possa chegar a muitas conclusões, em face da individualidade. Reporto-me ao amor romântico, que despedaça as dificuldades e ainda permeia o coração dos jovens apaixonados.
 
O romantismo ainda pode ser considerado uma doença para alguns. Talvez pelos maravilhosos delírios que ele traz, e pela imensa capacidade de traduzir o indizível, de expressar em canção o que só rouxinóis e cotovias puderam compor, de fazer acreditar que pode ser para sempre e que nos fará feliz.
 
Talvez nossa fala possa ser considerada pelos filósofos atuais, enraizados em teorias construídas em seus doutoramentos, como uma aberração filosófica. Mas ela não é diferente do que seria a de Platão, se pudesse encontrar-se em nossos dias (perdoem-me o anacronismo) e sobreviver amando o belo, o real e o romântico.
 
Para os filósofos (amantes) de hoje, voltamos com uma mensagem menos acadêmica e mais filosófica: a de procurar resgatar o desejo de que o romantismo ressurja em elevada dose de vigor. E que seja completamente incurável. Mas o desejo é ainda maior. O desejo é que ele possa ser inteiramente contagioso.