VOTO NULO

O Brasil é um arremedo de república federativa, por que, em verdade, não há nem coisa pública e, muito menos, autonomia político-administrativa das esferas federadas de Poder. É pura ficção. O que seria coisa pública, no sentido clássico do termo, tem sido apropriado por castas políticas ao longo dos anos, com nossa complacência ignara ou negligente. A corrupção que grassa em diversas áreas dos Poderes, em todos os níveis, dá-nos a exata medida do manejo patrimonialista do Estado.

Muitos questionam, desarvorados, o que fazer em face de tanto descalabro e tendo em conta a ação frágil de certas autoridades e instituições, que deveriam mobilizar-se em guerra total e conjunta contra o crime e a imoralidade. Afinal, esmorecer é estimular o assalto ao Erário e aos nossos débeis valores cívicos e democráticos.

Por outro lado, é também indispensável separar o joio do trigo, o que requer prudência na apuração de delitos e na identificação de delinquentes, para que não se produzam injustiças irreparáveis.

Não podemos, evidentemente, descrer das instituições competentes, mas devemos pressioná-las, fiscalizá-las permanentemente e exigir que prestem o serviço para que foram criadas. Participação é a chave da moderna democracia, e o Constituinte de 1988 esteve atento a isto.

Não pode o cidadão esquecer que a Constituição propicia-lhe um modo direto de participação democrática, além do voto, que é a Ação Popular contra atos públicos ilícitos ou imorais e que talvez tenha chegado o momento de valer-se deste direito com freqüência.

O caminho mais fácil para tentar um início de mudança no panorama tétrico de hoje, será o uso consciente do voto no pleito. Teremos, então, a oportunidade democrática de varrer do mapa certas lideranças de araque, arrivistas, espertos de todo o gênero e os políticos de almanaque, que posam de figurões, não raro de vestais, e nada fazem concretamente, salvo em favor de interesses próprios; lobos famélicos em pele de cordeiro.

Costuma-se apregoar que voto nulo é omissão. Em tese, até pode ser verdade. No geral, sou pela participação, pela escolha, mesmo que as alternativas não sejam ideais. Todavia, em certas circunstâncias, o voto nulo pode tornar-se arma legítima de protesto, no mínimo, de caráter pessoal. Se o eleitor não conhece bem o candidato, que não lhe dê a coisa mais preciosa da democracia, que é o voto. Não se pode votar em alguém por piada ou por simples desincumbência. Se o candidato é de sua absoluta confiança, nada mais legítimo do que sufragar seu nome, caso contrário, nada, bico seco.

Afinal, não há marketing político que transforme água em vinho.

Por derradeiro, é preciso acompanhar a trajetória dos eleitos, porque eles não são donos do mandato, como parece. Quando um mau representante pratica ato reprovável, seu eleitor é cúmplice de alguma forma, tem de reagir, caso contrário, que vá chorar na cama, que é lugar quente, como dizia minha avó.

Não quero ficar segurando a bandeira do voto nulo, pois o melhor, sem dúvida, é escolher bem, mas, eventualmente, cá pra nós, não tem alternativa e a opção é uma falácia. O voto em branco ou nulo não é o caminho ideal para a democracia, reconheço, mas pode nos dar uma certa paz de espírito. Espero que compreendam: não adianta argumentar que, se eu não votar no candidato A, vou favorecer o candidato B. Eu não odeio o candidato B e, se eleito for, palmas para ele, pois vivemos numa democracia e, mal ou bem, credenciou-se para ser candidato e, ao final, vencer a eleição. É a regra do jogo. Mas quando você não acredita no candidato A, nem no B e muito menos no C, convenhamos, ser constrangido a escolher é uma violência. Já dei muito "voto estratégico" e me arrependi. Voto em branco, nulo ou abstenção não integram obviamente o conjunto dos VOTOS VÁLIDOS, que servem de base para o cômputo eleitoral. Há votos nulos e votos nulos: uns são inconsequentes, até por erro, outros são pensados e valem como protesto. Sim, meu não voto poderia teoricamente decidir um pleito, mas será que você gostaria da minha opção? (Texto escrito em 16 de junho de 2009).

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 16/06/2009
Reeditado em 10/09/2018
Código do texto: T1651558
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