Sob a luz da disciplina
Tem sido um consenso entre educadores de todo o país que as crianças e adolescentes das novas gerações precisam de mais disciplina em sua formação. A família e a escola – instituições elementares na formação de qualquer pessoa – já não estão conseguindo dar conta de lidar com este público, cada vez mais indisciplinado e arrogante no trato entre si e com os adultos.
Muitos depoimentos de pais e professores revelam uma situação preocupante, que talvez ainda não tenha sido devidamente dimensionada em estudos atuais sobre o tema. Se antigamente a educação era rígida demais em casa e na escola – a ponto dos castigos físicos e psicológicos serem justificados como necessidades quase pedagógicas, atualmente a falta de disciplina e o excesso de autonomia (não no âmbito filosófico ou psicopedágogico, mas no sentido do “faço o que quero, na hora que bem entender”) deram às crianças e aos adolescentes um poder maior do que eles conseguem administrar.
Para entender a frase “disciplina é liberdade” (dita pelo cantor e compositor Renato Russo na música “Há Tempos”) é preciso aceitar que nenhuma liberdade pode ser obtida sem um esforço contínuo. Uma pessoa não pode ser considerada livre se a sua liberdade pressupõe a opressão do outro. Assim, ser livre é “ser-livre-com”, levando-se em consideração que depois deste “com” cabem inúmeras palavras-conceitos, a exemplo de “responsabilidade”, “solidariedade”, “respeito”, “gentileza” e “amabilidade”.
Para muitos a disciplina é vista como sinônimo de rigidez, de uma postura típica do universo militar. Como, então, imaginá-la uma base para a liberdade? Vários pais que romperam com modelos tradicionais de educação, taxando-os de excessivamente rígidos, vivem às voltas com as consequências do outro extremo desta posição. Eles deram aos seus filhos uma liberdade com a qual estes não sabem lidar. O resultado é o crescimento do número de crianças mimadas, prepotentes, despreparadas para respeitar o outro e precoces nos aspectos mais negativos disto. Normalmente elas se tornam adolescentes desamparados, agressivos, sem rumo e com um visível medo de crescer (vide Zeca – personagem vivido pelo ator Duda Nagle na atual “novela das 8” da Rede Globo – Caminho das Índias).
É este público que compõe a maior parte das escolas do Brasil e do mundo na atualidade. Se num passado não muito distante um bom professor tinha apenas que ter conteúdo e ser um pouco policial, agora ele precisa infinitamente mais. Tentar educar uma criança ou um adolescente na sala de aula é estar disposto a ser professor, policial, psicólogo, terapeuta, sociólogo, pai, amigo, artista...
Exageros à parte, a verdade é que a escola vem abarcando responsabilidades que, cada vez mais, escapam das mãos dos pais. Há quem admita não conseguir mais delimitar os espaços e as ações dos filhos. E limite é algo que a sociedade vai necessariamente impor a todos que queiram fazer parte dela. Neste sentido há liberdade, sim, na disciplina. Todos – crianças, adolescentes e adultos – têm tarefas a cumprir no mundo socialmente organizado. Criar filhos com mordomias e sem responsabilidades é querer que eles sejam acomodados e incompetentes mais tarde.
A liberdade individual tem que existir de forma harmônica com a liberdade coletiva. Uma pessoa não tem o direito de impedir que o outro tenha aquilo que ela não quer. Daí a difícil tarefa de despertar interesse de toda uma classe por uma determinada aula. A minha liberdade de escolher os caminhos que desejo seguir não pode ser um pressuposto para que eu decida que todos devam seguir os meus passos.
Por essa ótica é possível entender o que Renato Russo quis dizer no trecho “disciplina é liberdade; compaixão é fortaleza; ter bondade é ter coragem”. Apenas os disciplinados podem ser livres; apenas os fortes de espírito conseguem ter compaixão; apenas os corajosos optam pela bondade. Aí está um ótimo lema para educar alguém.