SE MEU PAI AINDA VIVESSE

Meu falecido pai foi do Partido Social-Democrático, PSD, e, depois, membro militante da ARENA e PDS, tendo apoiado entusiasticamente o movimento militar de 31 de março, especialmente porque acreditava no combate rigoroso à corrupção e tinha certeza de que o comunismo era incompatível com as estruturas, a história e a índole do Brasil. Não é preciso dizer, portanto, o quanto execrava o socialismo marxista, de qualquer matiz. Antes de morrer, dera-se conta, entretanto, de que o espectro do comunismo da retórica ultraconservadora não passava de assombração de noite de lua cheia e de que a grande corrupção no país florescera à margem da escassez de liberdade, adubada por elites mal-formadas, políticos sem compromisso e instituições frágeis para o combate eficiente do crime. “Quid novis?”.

É que, como muitos outros, insisto em saber se a corrupção aumentou ou diminuiu no Brasil. Acompanho diariamente o noticiário e os eventos dos tribunais, mas não consigo resposta cabal, inclusive pelo fato de que, nos tempos mais sombrios, inexistia plena liberdade de imprensa.

Afinal, creio que ela nem cresceu nem minguou, porque a corrupção é como a maldade, a hipocrisia ou a idiotice: existe desde os primórdios da vida humana e existirá até o fim dos tempos. Não é privilégio nosso. Mudam apenas as circunstâncias, poucas vezes os métodos. No Brasil ou no Japão. A grande novidade destes tempos é a liberdade de imprensa, o jornalismo investigativo, a disposição mais ousada de alguns para expor as vísceras do lobo travestido de cordeiro. E, no fundo, o avanço da consciência crítica popular, que não mais engole explicações estúpidas.

As instituições político-sociais, a despeito do esforço de idealistas e abnegados, avançam, é claro, mas ainda quedam-se prisioneiras de antigos vícios, de ranços burocráticos e de espertezas várias. O ritmo judiciário não acompanha a velocidade da informação midiática e, muito menos, da virulência social dos fatos e delitos.

Apesar disto, é preciso acreditar. Os grandes mestres do Direito legaram-nos a lição do império da lei e do respeito às instituições como caminho único para um convívio construtivo e digno. Mesmo que, não raro, autoridades esmerem-se na prática do mau exemplo. Sim, erramos ao votar, erramos ao julgar, ao escolher, a acreditar, erramos constantemente, mas tudo isto faz parte da vida de um povo que amadurece e que aprende lições. Seguidamente, revolta, entristece, mas o processo é assim mesmo.

Se meu pai ainda vivesse, ele, médico por formação - que acreditava tanto na Polícia, no Ministério Público e no Judiciário para combater a corrupção do colarinho branco - seria mais um legionário da imprensa livre. Foi o que faltou no passado. Mas o "velho" sempre soube que o remédio eficaz para combater a máfia norte-americana, japonesa ou russa - com os seus fantoches - era a Democracia, com um povo educado, mais saudável, com emprego e capacidade de mobilizar-se.

Todavia, atropelado pelo mensalão e pelo petrolão, com suas notórias características industriais e de organização malfeitora, sinto-me obrigado a revisar conceitos: a corrupção realmente avançou, adquiriu supostos contornos institucionais, contaminou o sistema e banalizou o achaque. Por sorte o "velho" não está assistindo ao espetáculo triste de uma falsa democracia partidária, sustentada pelo arranjo entre políticos de araque e empresários tão hipócritas quanto incompetentes. Sem prejulgar ninguém, fica bem claro que devemos, mais do que nunca, prestigiar as instituições e os homens de bem, que não orbitam apenas em torno do dinheiro, do poder e do sucesso. Realmente, os tempos mudaram e regredimos vários estágios na evolução civilizatória, mas vai passar, pois o destino do homem estende-se muito além deste circunstancial circo de horrores e suas patéticas figuras.