Antropocentrismo, ecocentrismo e o eden perdido

O zelo para com a natureza, como ação virtuosa, pode ser encontrado desde a antiguidade, Buda (Sidarta Gautama) e São Jerônimo estão entre os muitos que pregavam que a natureza deveria se objeto de zelo e preservação.

O tipo de pensamento que envolve as questões do meio ambiente nas últimas décadas é diferente das propostas antigas. No passado, as questões ambientais podiam ser resumidas em duas vertentes.

1) A sabedoria da natureza deveria ser observada e imitada para o aprimoramento mental e espiritual da imperfeição que caracteriza os seres humanos

2) A natureza era a mais evidente expressão da vontade de Deus (ou dos deuses) e portanto deveria ser temida e respeitada.

Estas formas de pensar buscavam o aprimoramento dos seres humanos por imitação da natureza ou pelo temor das conseqüências de desrespeitar ditames divinos. Modernamente, a humanidade atingiu uma condição que era insuspeitada pelos antigos. Estamos destruindo em escala global, aquela natureza que os antigos achavam digna de temor ou imitação.

Diante desta condição, certos padrões de pensamento surgiram na metade do século XX. Este olhar recente sobre a natureza parece ter criado um novo estado de espírito, no qual a natureza não é mais vista como algo a ser temido ou seguido, mas para ser cuidada e protegida.

Neste texto, tentarei avaliar as implicações de ser ou tentar ser este ser humano protetor da natureza.

PRESERVAR OU DESTRUIR - UMA ESCOLHA DIFÍCIL

O título é um provocação e nos dias modernos, de Marketing ambiental intenso, é difícil encontrar quem se disponha a defender o direito humano de destruir a natureza, contudo, todos nós gastamos a maior parte de nossas vidas fazendo coisas que destroem o planeta e depois vamos para a casa tocer para que o navio do Green Peace consiga deter os pescadores de cachalotes. É claro que não deixaremos de usar nossos perfumes franceses que possuem fixadores muito melhores que as imitações nacionais. (Desafio! - Descubra por que eu falei sobre isso neste texto).

Sabemos que os seres humanos produziram prodígios tecnológicos nas últimas décadas e nossa expectativa de vida ao nascer praticamente dobrou nos últimos cem anos. No caminho para vir das cavernas até a era da tomografia computadorizada, produzimos muito lixo e modificamos ntensamente os nossos arredores. Já conseguimos produzir até lixo espacial.

Apesar de sabedores dos males que a humanidade fez a mãe natureza, poucos de nós abririam mão da possibilidade de viver até os 80 anos para retornar à uma vida mais natural que nos levaria a morrer em média aos 45. Eu é que não topo, afinal já tenho 45.

Na verdade uma análise superficial poderia concluir que o retorno ao seio da natureza está descartado como solução para o problema ambiental, mas ainda me reservo o direito de voltar a este tema em momento oportuno.

No outro extremo deste raciocínio, situa-se o completo desprezo aos cuidados com a natureza, ou seja, poderíamos continuar nossa evolução tecnológica da mesma maneira como sempre o fizemos. Até hoje, a humanidade sempre foi capaz de vencer os desafios que se apresentaram e chegamos ao século XXI com galhardia. Sei que alguns podem pensar que fui irônico, mas isto não é verdade. Numa avaliação isenta, sem viés de saudosismo nem empáfia, podemos afirmar sem erro que:

Nunca, a humanidade viveu tanto.

Nunca, a saúde foi tão bem cuidada.

Nunca houve tão poucos analfabetos.

Nunca houve tantas pessoas formadas em faculdades.

Nunca houve tão poucas guerras entre paises.

Nunca, tantas pessoas puderam se expressar livremente

Nunca houve tantas pessoas vivendo sob regimes democráticos

Nunca houve tanto dinheiro sendo gasto em ações humanitárias

Nunca, a humanidade resolveu tantos problemas com diplomacia

Esta lista de coisas boas poderia continuar e muito. Nenhuma das informações acima é falsa. Muitos devem duvidar e lembrar-se de algum "eden perdido" mas basta procurar dados estatísticos na página da ONU ou do IBGE que se perceberá que tudo isso é verdade.

DIGRESSÃO PARA FALAR SOBRE O “ÉDEM PERDIDO”

Existe dentro de cada um de nós, uma tendência para buscar uma espécie de “éden perdido”, uma lenda que parece nos dizer que o passado era melhor. Essa sensação nunca foi tão equivocada como nos dias de hoje. A humanidade vai muito bem e nunca esteve melhor.

Nossa sensação de “éden perdido” vem das nossas lembranças da infância, quando éramos protegidos por nossos pais e víamos a nossa volta um mundo essencialmente bom.

Com o perdão do narcisismo, deveo falar um pouco de uma experiência pessoal. Nasci em 1963 e em 1970 olhei para o céu e fiquei fascinado com milhares de balões juninos. Era o dia em que a seleção brasileira ganhou a copa de 1970. O mundo que eu conhecia era feliz, pessoas tão contentes que pareciam não caber em si. Não me lembro de ouvir ninguém reclamando da vida e quando as imagens de 1970 me vêm à lembrança, parece que meu coração diz que nunca mais haverá um tempo tão bom.

Tempos depois fiquei sabendo que naqueles dias haviam guerras no Vietnam, no Camboja, na Pelestina (Yom Kippur), em Angola, em Moçambique, na Eritréia, em Bangladesh, na Colômbia, na Índia (guerra da Caxemira). Quase todos os países da América do Sul, inclusive o Brasil, viviam ditaduras sanguinárias. Um dia minha m~e me contou que naquele ano (1970) meu vizinho adolescente foi assassinado pela polícia por usar tatuagem (nada aconteceu aos policiais). Na amazônia, quilômetros de floresta eram destruídos para que se construísse a transamazônica, uma obra superfaturada, cujos custos ainda não foram integralmente pagos e que não se mostrou útil para nada.

Poderia continuar a falar sobre coisas ruins que aconteceram quando eu era criança, mas já me fiz entender. Não importa quantas coisas ruins eu saiba que aconteceram naquele ano. Será sempre um tempo maravilhoso pois meu pai e minha mãe me protegiam.

Esta sensação de passado protegido, leva muitas pessoas a ver um “éden perdido” que deveria ser reconquistado. Imagine você, que já ouvi malucos defendendo a ditadura pois não se lembram de coisas ruins acontecendo naquele tempo.

Como fato, resta apenas que tudo aquilo que a humanidade produziu de melhor está disponível para aqueles que estão vivos hoje. Não adianta buscar no passado um momento melhor. Nossos ancestrais eram mais doentes, menos educados, viviam menos, eram mais pobres, eram menos autruistas e em resumo tinham uma vida pior que a nossa em todos os sentidos.

Note que não há qualquer demérito aos nossos antepassados, pois :

• Eram doentes porque os remédios eram piores

• Eram menos educados porque havia menos escolas

• Viviam menos porque ainda não existiam antibióticos

• Eram menos altruístas porquê não sabiam o bastante sobre os problemas da áfrica, do nordeste, dos doentes, dos menores carentes, dos viciados para poderem ajudar. Além disso tinham uma vida mais dura que a nossa e é difícil dividir o pão que já é escasso dentro de casa.

RETORNO AO PROBLEMA DA VISÃO HUMANA SOBRE O PLANETA.

Já vimos que podemos entender o mundo como um lugar no qual a humanidade passou a viver mais tempo e com mais conforto destruindo a natureza e agora, deveria reequilibrar as coisas, deixando de ser predatório e permitindo que a natureza retome o equilíbrio que nós destruímos.

Já vimos também, que a humanidade produziu um mundo muito melhor que qualquer coisa que já tenha existido no passado e que isso foi conseguido em detrimento da natureza. Podemos pensar que este é um preço alto a pagar, mas talvez valha a pena. Na verdade, ninguém quer abrir mão dos confortos modernos (conforto não é só o ar condicionado central. Conforto que dizer remédios, agricultura capaz de produzir o suficiente para alimentar 6 bilhões de seres humanos, hospitais, escolas para 1 bilhão de seres humanos, etc..).

De fato, estas duas visões são antagônicas:

• Uma delas propõe que o planeta é mais importante que a humanidade e, portanto deve ser protegido a todo custo. Esta visão é chamada de ecocentrismo.

• A outra propõe que a humanidade é mais importante que o planeta e, portanto deve ter o direito de evoluir, ainda que isto implique numa alteração drástica dos ecossistemas planetários. Se extinguirmos outras espécies durante o desenvolvimento de nossa cultura, isso ainda é melhor do que interromper o desenvolvimento cultural humano. Esta visão se chama “antropocentrismo”

Na continuidade, tentarei tratar das propostas de harmonização e conciliação entre o antropocentrismo e o ecocentrismo.