Ainda é hoje viável um ponto de vista nacional no estudo da literatura?
Este artigo tem como objectivo responder à seguinte questão: ainda é hoje viável um ponto de vista nacional no estudo da literatura? Com o intuito de melhor atingir o objectivo em questão, tentarei, de forma resumida, definir o conceito de nação e explicar, do ponto de vista histórico, como é que este passou a ser associado à literatura, tentando depois perceber se ainda é, ou não, viável um ponto de vista nacional no estudo da literatura.
Assim, para começar, importa então referir que nação é um termo com significado essencialmente político para designar uma “comunidade imaginada”, organizada, ou não, politicamente num Estado autónomo, em que os seus membros estão ligados fundamentalmente por laços históricos, culturais (podendo, ou não, ter em comum a língua, a religião ou a origem étnica) e por interesses, necessidades e aspirações comuns.
É no século XIX, com o Romantismo, que, seguindo uma tendência que se vinha acentuando desde o século XVIII, o conceito de nação se afirma, passando a ser associado à literatura, com o objectivo de aliar a construção das diversas identidades nacionais à formação das respectivas literaturas. Assim, é neste contexto de procura das origens, preconizado pelo Romantismo, que, no começo do século XIX, a Filologia (método historicista de estudar a literatura através da linguagem, com o objectivo de aproximar, o mais possível, o texto literário das suas origens) passa a ser utilizada na análise da literatura. Na sequência destes desenvolvimentos, a literatura passa a ser vista dentro de duas concepções opostas: por um lado, uma concepção predominantemente local, fixa e permanente da nacionalidade; por outro lado, uma concepção mais voltada para a universalidade e o reconhecimento das diferenças, baseando-se na inconstância, alteridade e multiplicidade. Esta segunda concepção será a que mais se aproxima do conceito de Weltliteratur proposto, no século XIX, por Goethe – Weltliteratur é um conceito que transcende as literaturas nacionais, sem, ao mesmo tempo, destruir a individualidade das mesmas, ou seja, embora defenda a universalidade das literaturas, reconhece e respeita as suas respectivas individualidades e diferenças. No entanto, este conceito proposto por Goethe tem perdido força ao longo dos tempos, porque, por um lado, se refere apenas às literaturas nacionais da Europa do seu tempo, que se afirmava como grande potência colonial, e, por outro lado, está intrinsecamente ligado ao conceito de Estado-Nação, que se encontra hoje em decadência. Outro aspecto importante para esta perda de força é o fenómeno da globalização.
Relativamente à questão de saber se ainda é hoje viável um ponto de vista nacional no estudo da literatura, penso que não será totalmente possível, porque, por um lado, com o fenómeno da globalização, que, entre outras consequências, proporcionou o aumento da velocidade de circulação da informação, o autor, não obstante a sua nacionalidade e local de produção do texto, e a sociedade da qual faz parte acabam por sofrer influências do mundo que os rodeia. Por outro lado, a relação entre os conceitos de nação e de literatura está, conforme já referi anteriormente, intrinsecamente ligada ao conceito de Estado-Nação que desde a segunda metade do século XX se encontra em decadência.
Fontes e Bibliografia:
· Roberto M. Dainotto, “The Discovery of Europe: Some Critical Points”, Europe (In Theory), Duke University Press: Durham and London, 2007, pp. 11-51.
· Erich Auerbach, “Philology and Weltliteratur”, The Centennial Review, 13(1), 1969, 1-17.
· Edward Said, “Erich Auerbach, Critic of the Earthly World”, boundary 2 31(2), 2004, 11-34.
· Alexander Beecroft, “World Literature without a Hyphen – Towards a Typology of Literary Systems”, New Left Review, 54, 2008, 87-100.
· Hans-Ulrich Gumbrecht, “Slow and Brilliant: Reactions to Geoffrey Galt Harpham’s Diagnosis of the Humanities Today”, New Literary History, 36, 2005, 131–139.
· “Nação”, in Priberam – Dicionário de Língua Portuguesa On-Line, http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx, 21/01/2009, 15h27min.
· Ricardo Ferreira do Amaral, s.v. "Nacionalismo Literário", E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, <http://www.fcsh.unl.pt/edtl> (16/01/2009).
· Filologia. (2009, Janeiro 8). Wikipédia, a enciclopédia livre. Retrieved 18h13min, Janeiro 21, 2009 from http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Filologia&oldid=13763377.