Dois profetas e seus discípulos

O jovem da Macedônia e a profetiza religiosa

Faltavam ainda 335 anos para que nascesse em Belém, uma pessoa que tentaria conquistar o mundo sem o emprego da violência. Mas naqueles dias, o mundo era conduzido por generais, ouro e comida. Naquele inverno, um macedônio de 21 anos ordenara que sua marinha o deixasse no golfo de Corinto e de lá, seguiu por nove quilômetros de um vale bem encaixado até o Templo de Apolo, tendo no horizonte a silhueta noturna do Monte Parnaso.

Em seu intimo havia temor e ansiedade, pelo encontro que teria com a guardiã da serpente Píton. Esta mulher iria contar-lhe o futuro, e suas palavras seriam definitivas. Ele, por sua vez, era filho de outra serpente. Sua mãe, Olímpias havia se deitado com Zeus quando este assumira a forma de uma cobra. Seu pai terreno, Felipe, fora o rei da Macedônia, mas estava morto e tinha deixado um trono vazio. Olímpias lhe garantiu a sucessão matando o filho que Felipe tivera com Cleópatra. Assim ele era agora o rei da Macedônia

Caminhava acompanhado de uma pequena escolta em direção ao Monte Parnaso, mas sabia que Apolo emprestava o templo para Dionísio durante o inverno e que a pitonisa não estaria disponível. Isto não era problema, ele tomou a Pitonisa a força e levou-a ao templo e pela boca desta Mulher Ouviu a voz de Zeus. – Tu és invencível meu Filho

A partir de então aquele Macedônio, agora autoconfiante e cheio de certezas, empreendeu guerras, trouxe muita dor e muito sofrimento a milhares de pessoas. Seu nome era Alexandre. Formou o maior império visto até aqueles dias e de fato nunca foi vencido em guerra, mas morreu de febre apenas doze anos depois. Alexandre, crente nas promessas da sua religião morreu pela ação de uma pequena bactéria.

Os meninos de Linz e os profetas da ciência

O ano era 1904, a cidade era Linz, uma importante comunidade industrial da Áustria. Nesta cidade havia uma escola secundária de relativo renome e o professor Leopold Poetsch tinha um problema: Um garoto de 14 anos, pobre e devotado às artes não tinha interesse por assuntos práticos e alem disso, desentendera-se com um menino rico chamado Ludwig. Naquela manhã Poetsch conversaria com ele e por volta das onze horas recebeu aquele menino de cabelo à escovinha, como costumavam usar os jovens da fronteira.

O professor explicou ao jovem sobre coisas da ciência, falou de Francis Galton e do Conde Gobineau. Explicou como estes homens criaram a eugenia, uma ciência que percebeu que a mesma evolução descoberta por Charles Darwin se aplicava aos seres humanos. A seleção genética melhorava as raças de pessoas e desta forma havia aqueles que deveriam ser considerados o cume da evolução, os melhores, enquanto outros eram menos evoluídos, degenerados e estavam destinados a extinção.

O menino ouvia tudo com atenção, bebia cada palavra e começava a se entusiasmar pela ciência, ficou hipnotizado pela paixão que o professor Poetsch demonstrava ao falar do fim das trevas, das pitonizas de superstição e religião. Já conseguia antever os novos tempos onde o futuro seria uma conseqüência lógica das ações dos homens usando a ciência para conduzir a humanidade. O menino já sabia que a objetividade substituiria a subjetividade no comando dos destinos e que a estrutura genética superior seria capaz de produzir seres física e mentalmente mais fortes.

Naquele menino que se chamava Adolf, Algo foi despertado, e embora o seu desempenho escolar não tivesse melhorado, ele quis saber mais sobre a ciência que previa um futuro brilhante para uma humanidade conduzida por seres geneticamente mais desenvolvidos. Nessa humanidade, ele tinha certeza, não haveria lugar para ”filhinhos de papai” geneticamente degenerados como Ludwig, o judeu.

Adolf cresceu, migrou para a Alemanha, foi herói da primeira guerra mundial, tornou-se o chanceler daquele país e liderou o povo germânico na segunda guerra mundial. Tentou demonstrar que a ciência provava a superioridade biológica dos louros de olhos azuis. Perseguiu os judeus, ciganos, homosexuais e deficientes e depois de 1938 também perseguiu os cristãos. Auxiliado por seu amigo Joseph refez o neo-paganismo de Valhala para manter o povo alemão sob sua tutela, mas sua mente manteve-se fiel ao seu velho professor Poetsch. Sua certeza vinha da ciência, da Eugenia criada Galton e Gobineau, posteriormente aperfeiçoada nos EUA por Charles Davenport com a noção de aprimoramento racial por esterilização forçada. Na sua Alemanha, Adolf deu mais um passo e criou a “solução final” para banir pessoas de raças inferiores como Ludwig.

Ludwig, que não acreditava em profetas, sobreviveu ao seu colega Adolf, tornou-se filósofo e em seu mais importante trabalho “Tractatus Logico-Philosophicus” afirmou que: “O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas”. Ludwig ensinou que a ciência não trata das verdades definitivas (coisas), mas somente daquilo que pode ser afirmado (fatos), ensinou que o cientista precisa entender que o seu olhar sobre o universo é humano e, portanto está limitado aos cinco sentidos e ao intelecto. Se a complexidade do universo supera a nossa capacidade intelectual não é possível saber a verdade. Temos acesso aos fatos (verdades com viés humano) e não às coisas (verdades definitivas, que até onde sabemos podem nem mesmo existir).

Talvez seja como diz Ludwig e então a destruição, a guerra e a crueldade não nasçam da religião e nem da ciência, mas da certeza.

talvez seja bom manter a dúvida sincera, que ao mesmo tempo seja crédula o bastante para não se tornar certeza de que a verdade está no ceticismo.