As ideias de Obama
Para quem vive num país como o Brasil, em que a expressão “palavra de honra” caiu em desuso, acreditar no discurso de um político é uma possibilidade quase nula. Nós, brasileiros, temos essa herança maldita da política como sinônimo de demagogia, falsidade, mentira, enganação, negociata, corrupção, enriquecimento ilícito, abuso de poder e outros tantos conceitos negativos. Obviamente, este não é um demérito apenas verde e amarelo, mas aqui a politicagem criou raízes sólidas e arrebanhou fiéis adeptos ao longo de nossa história.
Talvez por isso discursos políticos, como o proferido por Barack Obama em sua posse, soem tão vagos e frágeis aos nossos ouvidos. Felizmente, eles ainda podem significar um forte pilar na sustentação socioeconômica de nações, principalmente em tempos de crise mundial, como agora.
O dia 20 de janeiro de 2009 ficará para a história não apenas por ter sido a data em que um negro assumiu pela primeira vez o governo do país mais poderoso da atualidade. Ficará pelas idéias apresentadas por este negro em seu discurso já como presidente dos Estados Unidos. Não que tenham sido ideias nunca antes vistas ou ditas, mas por terem sido ideias simples, voltadas para a concórdia, para a cooperação, para a paz, para o reforço à auto-estima de estadunidenses e de quaisquer outros cidadãos do planeta.
Alguns trechos do discurso de Obama me chamaram a atenção pela clareza de intenção, pela força persuasiva e pela autocrítica. Esta última, então, pouco é atribuída aos norte-americanos, embora esteja bastante presente em filmes, séries de TV, músicas e outras manifestações artísticas produzidos por lá.
“Nossa nação está bastante enfraquecida, uma consequência da ganância e da irresponsabilidade de alguns, mas também da nossa incapacidade coletiva de tomar decisões difíceis e de preparar a nação para uma nova era”. Ao usar a expressão “incapacidade coletiva” ele foi no cerne da questão. Nação nenhuma consegue se desenvolver ou vencer seus desafios se não houver crescimento coletivo. Não há super-homens capazes de salvar as pessoas de suas próprias fraquezas, ignorâncias, mediocridades.
No trecho a seguir o presidente faz uma crítica aos que acham que prosperidade cai do céu ou que é deixada de herança: “ao reafirmar a grandeza de nossa nação, compreendemos que ela não é um presente. Deve ser conquistada. Nossa jornada nunca foi aquela de atalhos ou de quem se contenta com pouco. Nunca foi o caminho dos fracos de coração – daqueles que preferem o ócio ao trabalho, ou buscam apenas os prazeres da fortuna e da fama. Foi, isto sim, o dos que correm risco, dos que fazem, dos que executam coisas – alguns célebres, mas mais comumente homens e mulheres obscuros em seu trabalho, que nos levaram pelo longo e áspero caminho da prosperidade e da liberdade”.
Bastaram apenas 20 minutos para que Obama também apontasse qual é o verdadeiro vilão de qualquer país, esteja ele onde estiver, sejam quais forem as suas crenças e culturas. “O que os cínicos não conseguem entender é que o chão moveu-se sob seus pés. Que as disputas políticas vazias que nos consumiram por tanto tempo não servem mais. A questão que se deve perguntar hoje não é se o governo é grande demais ou pequeno demais, mas se funciona (...). Aqueles que administram os dólares da população terão que assumir suas responsabilidades: gastar com sabedoria, mudar os maus hábitos, fazer negócios à luz do dia. Porque só então poderemos restaurar a confiança, que é vital entre um povo e seu governo”.
Ao afirmar que os Estados Unidos são “uma nação de cristãos, muçulmanos, judeus, hindus e ateus, formada de todas as línguas e culturas, trazidas de todo canto da Terra”, o novo mandatário estendeu suas mãos para os que quiserem entendimento. Pode não ser o bastante para que, de fato, cessem as guerras e as diferenças entre as nações. No entanto, é o primeiro gesto que se espera dos que desejam acertar.