LEITURA: O CAMINHO PARA A INCLUSÃO

No dizer do educador Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura dessa implica, sempre,na continuidade da primeira”. Para o professor emérito do IEA-USP, Aziz Ab'Sáber, meu orientador no livro "Uma Aventura na Amazônia - Raycha", “o acesso aos livros é condição fundamental para que crianças e jovens conquistem o hábito da leitura e possam ser protagonistas de um futuro digno e feliz”.

Esse poderoso estimulante, que é a leitura, se reveste de significado ainda maior para as crianças cegas ou com visão subnormal. Para elas, esse fio condutor ao mundo imaginário, tão necessário ao desenvolvimento saudável, pode ser ainda mais valorizado adicionando um toque de amor aos tradicionais livros em braile. Eles deverão conter aromas, relevos e ilustrações em papéis de diferentes texturas.

E tudo isso poderá ser feito numa divertida oficina de artes, pelas mãos de pais, alunos e professores.

Falo das crianças cegas e com visão subnormal porque deficiente é a sociedade incapaz de possibilitar os meios necessários para que todos os cidadãos tenham acesso à informação.

Deficiente é a indústria do livro que ignora e os governos que se omitem, pela absoluta incapacidade de enxergar as necessidades de parcela importante da população.

Sem falar da ausência de motivação para ousar romper com o tradicional e buscar novas formas de ler o mundo pela leitura da palavra. É mais cômodo dizer que “a criança não gosta de ler” para justificar a pouca motivação para o trabalho inovador. Motivar para a leitura exige esforço e criatividade.

Certa vez, visitei uma escola pública tida como “modelo” numa cidade da Grande São Paulo.

Para o meu espanto, a coordenadora pedagógica da escola disse-me que tinha mil livros do PNLD guardados num armário e que em breve chegariam mais 400. Daí perguntei-lhe porque aqueles livros estavam ali e não nas mãos dos professores e dos alunos. Foi quando ela respondeu-me que “as crianças não gostam de ler”.

Enquanto sobram livros nas mãos de uma minoria preguiçosa, um número muito maior de professores, com disposição para servir – porque a vocação para servir precede a arte de educar – aguarda pelos livros que demoram para chegar.

No caso dos livros em braile, é uma espera infinita e quando chegam não surpreendem porque são feios e pesados, sem qualquer atrativo.

O Brasil tem 159.823 cegos e 2.398.471 pessoas com grande dificuldade permanente de enxergar num universo de 16.573.937 pessoas com algum tipo de dificuldade para enxergar, segundo o IBGE. Fontes da área médica apontam um universo muito maior. Fala-se em mais de 1 milhão de cegos e cerca de 5 milhões de pessoas com visão subnormal, no Brasil.

Os cegos são privados até de ler porque não há livros em formato acessível para serem adquiridos por eles nas livrarias e na maioria das bibliotecas. Faltam livros digitalizados e não são transcritos e impressos livros em braile em quantidade suficiente para atendê-los.

As leis são antiquadas e dificultam ainda mais a inclusão e a cidadania porque não possibilitam os mesmos direitos aos não videntes. Mesmo que desejem, cegos não podem comprar os livros da sua preferência porque, com exceção do próprio autor, a venda é proibida no formato braile (por isso são raros) e no formato digital as editoras alegam problemas com a suposta pirataria. Como se os livros em tinta não pudessem ser pirateados...

O cego também é privado de trabalhar e viver da produção cultural porque os livros em braile são rejeitados pela indústria do livro. Não geram lucro. É o lucro que possibilita investimentos e geração de empregos.

Quem mais sofre são as crianças em processo de alfabetização. São raros os livros infantis em braile. E o braile é o sistema pelo qual elas são alfabetizadas.

O cego adulto que consegue estudar e trabalhar num sistema tão desigual e injusto é um grande vitorioso. Poderá contar com a informática para ler e se informar.

Mas os primeiros passos sempre serão dados pelo sistema braile. Por maiores que sejam os avanços tecnológicos, a leitura da palavra no papel, pelos olhos ou pelo toque dos dedos, jamais perderá o seu lugar.

(*) Gisele Pecchio Dias é jornalista, autora dos livros "Um par de asas para Toby" (2003), "Toby e os mistérios da Floresta" (2004) e "Uma aventura na Amazônia - Raycha" (2008), que fazem parte da Coleção Toby, disponíveis em tinta, braile e CD-Mp3 nas lojas ou no site da Livraria Cultura ou da Livraria da Vila.

Pedidos de livros, palestras e contatos com a autora pelo e-mail: gisele.jorn@uol.com.br