A PIOR ENCHENTE DE NOSSA HISTÓRIA
Acho que 2008 foi um ano que não deixará saudades. Pelo menos em nossa cidade, Santo Antônio de Pádua, que já foi mostrada em noticiários por motivos trágicos. Sei que cada paduano não deseja que nossa cidade fique conhecida como a cidade das catástrofes.
Na 'famosa' enchente de 1979, quando meu pai faleceu, eu tinha um ano e meio de idade. O que sei é o que as pessoas contam.
Mas ninguém mais falará de 79. O 'recorde' foi quebrado nesse ano e vivemos a pior enchente de todos os tempos. Nunca tinha visto uma tragédia tão grande.
Todos foram alertados mas muitos não acreditaram, até que o dilúvio viesse. Como nos dias de Noé.
Em poucas horas as ruas estavam alagadas.
Saímos de casa, antes que a àgua a invadisse, levando algumas roupas e fomos para um bairro distante, dos únicos que foram poupados.
Móveis e carros eram arrastados pela correnteza das ruas, que se tornaram rios. O rio Pomba corria em nosso quintal e desaguava dentro de nossas casas. Algumas foram cobertas até o teto. Várias pessoas saíram de casa em barcos.
As águas não paravam de subir, eu me desesperava, tomava remédios para conseguir dormir.
O otimismo dos meus irmãos me ajudava a sobreviver. Desejei que eles nunca fossem poetas.
A enchente carregava meus problemas e meus poemas. Já não me lembrava do que me fazia sofrer. Pensei que nunca mais tornasse a escrever. Minha esperança naufragava, minha inspiração teria sido levada pelas àguas barrentas.
Que poemas nasceriam depois de tamanha destruição?
A cidade submersa, agonizava.
Se eu não me lembrasse da promessa de Deus de nunca mais destruir a Terra com o Dilúvio, teria acreditado que era o fim.
Quando as águas baixaram , mostrou-se o verdadeiro cenário de horror, um caos completo. Ruas cobertas de lama, montanhas de entulho. Pessoas vivendo como ratos, talvez até os ratos tivessem melhores condições de vida.
A enchente igualou a todos, brancos e negros; ricos e pobres;desfez rivalidades e diferenças; todos tinham as casas cheias de barro e a única preocupação era sobreviver. O objetivo de vida, um difícil recomeço.
A mais polêmica disputa política já vista, foi esquecida. A recompensa à ganância desenfreada será governar uma cidade arrasada, sob uma imensa nuvem de poeira.
Muitos perderam tudo, comerciantes tiveram enormes prejuízos.
Eu via pontos turísticos, lugares de lembranças românticas, tudo coberto de lama e lixo. Era doloroso andar pelas ruas.
Eu que a cada ano gosto menos de Natal.
Não imaginei que a praça do Centro fosse iluminada novamente.
Saímos com um grupo da igreja distribuindo doações que chegaram de outras cidades. Crianças ganhavam brinquedos, pessoas eram acordadas de madrugada, felizes por terem o que comer no dia seguinte e assim passar um Natal menos triste. Com o coração partido fazíamos o bem a pessoas mais prejudicadas que nós, era só isso que amenizava o nosso sofrimento.
Nossos amigos que nos deram abrigo foram anjos que nos acolheram.
Ficamos mais unidos, família, vizinhos, amigos.
A semente do amor brotou sob o lamaçal, venceu o mau cheiro, a imundície, floresceu.
Praticou - se a solidadiedade e a ajuda ao próximo como nunca e pela primeira vez temos pensado seriamente no verdadeiro sentido do Natal.