ANGÚSTIA E MEDO
"Coloque na cabeça esta verdade: O caminho da felicidade não consiste em viver de acordo com as expectativas alheias. Desde quando a ventura e a realização humana se resumem em ser aprovado, aplaudido e aceito pela sociedade?
Há ocasiões (...) em que agimos, livres e espontaneamente, sem interesse de agradar ou ser bajulado, sem medo de repreensão. Em geral, são estes os momentos mais felizes e autênticos do nosso existir.
Pobres dos indivíduos que foram treinados especificamente para se tornarem especialistas em arrancar aplausos, aprovação, unanimidade. Uma eterna sombra os acompanhará: a angústia do condicionamento, o temor de decepcionar, de fazer algo errado, de desapontar os outros, de receber castigo.
Quem vive com medo constante de ser questionado, de decepcionar, é um ser enjaulado na angústia da solidão, que se consome em burilar as grades da própria prisão"
(Schneider Roque. Como esquecer mágoas e ressentimentos. São Paulo: ed Paulus,p.p.21/22, 1996)
Errar é humano, segundo o próprio homem, porque só os humanos erram e têm consciência de que erraram. Isso não quer dizer que os outros animais, os “irracionais?” também não errem, só que estes não sabem que erraram. Não sabem mesmo? Garantimos que não e como eles não conseguem se defender, fica assim. Que seja!
O que não podemos perder de vista, é que o erro faz parte do processo de crescimento, de construção do ser humano enquanto sujeito de sua própria história e da história do mundo. Somos seres históricos, construídos por meios das as relações sócio históricas. Erramos e aprendemos. Sem errar ninguém aprende, não cresce. Se deixarmos de fazer o que sabemos que precisamos fazer, por medo de errar, corremos o risco de estarmos perdendo as mais belas oportunidades de crescer e de sermos felizes.
Todos temos problemas, de uma forma ou de outra; para resolvê-los, criamos sempre mais problemas. Se tivermos medo de enfrentar o novo, porque significa um novo problema, não sairemos da situação de acomodação e angústia em que nos vemos submersos. Um famoso psicanalista brasileiro, Dr. Ângelo J Gaiarsa, diz que o ser humano prefere a desgraça conhecida, porque com essa pelo menos já aprendeu a lidar, mesmo que sofrendo, a possível felicidade que está no desconhecido. É assim, o ser humano sofre, tem consciência de seu sofrimento, sabe que precisa fazer algo, às vezes até sabe o que deveria fazer, mas não faz, faltam-lhe coragem e ousadia. Então, cruza os braços e espera por um milagre que nunca chega; em decorrência, mergulha na amargura, na tristeza, na solidão, reclama, chora, seca.
O ser humano se constrói, como já disse, por meio das relações sociais de poder, numa perspectiva dialética. Assim, ao mesmo tempo em que transforma a natureza, é por ela transformado. Isso quer dizer: somos seres imperfeitos, incompletos, mas de uma incompletude dinâmica. Construímos/reconstruímos a cultura, na mesma medida em que vamos sendo por ela construídos/reconstruídos, num processo permanente, mas sempre inacabado. Nessa perspectiva, não somos, estamos. Ser, é muito definitivo e nada neste mundo pode ter a pretensão de ser para sempre, sob pena de se estar criando prisões psicológicas e emperrando o processo de crescimento. O que é, hoje, amanhã já pode não ser.
Assim, com a consciência de sujeitos nesta construção, devemos também saber que o que nos distingue no processo e nos torna significativos nas interações e consequentemente nas mudanças, nossas e do outro, são as diferenças individuais. Não é justo, portanto, que tenhamos a pretensão de que o outro pense/aja como nós, porque, se fosse assim, não haveria mudanças. O outro também deve ter a condição de sujeito na mesma proporção que nós. As vontades, as visões de mundo, os significados individuais têm que ser levados em conta, têm que ser respeitados. Ninguém pode se dar o direito de proprietário do outro, do pensamento/consciência do outro, dos significados do outro; enfim, da liberdade do outro. Igualmente, mesmo modificados/construídos na relação com o outro, não temos que nos anular em função dele ou do culturalmente estabelecido. Somos gente, temos vontade própria, sonhamos, sofremos, almejamos a paz, a felicidade.
Nessa perspectiva, conscientes do que sentimos, sabemos o que fazer. Se a vida não está mais tendo a menor graça, se não estamos satisfeitos, se a angústia, a solidão, o medo e o sofrimento nos rodeiam e nos assombram, só precisamos de coragem e ousadia para desencadear as ações que nos proporcionarão as mudanças que buscamos. Sem coragem e determinação, portanto, continuaremos submersos no estado de pasmaceira, sujeitos passivos, a mercê da vontade alheia, dos tabus histórico-culturais. As mudanças advindas serão sempre no sentido contrário ao almejado.
Só o corajoso/ousado é capaz de administrar/conduzir as mudanças, que nunca são harmoniosas (às vezes abrem feridas, causam dores profundas), de forma que ocorram no sentido de suas aspirações. Quero dizer: só quem ousa, que arrisca, que vence o medo e anda no limite e às vezes até um pouquinho para lá do limite, é capaz de construir, na relação, estados de prazer e felicidade, encadeando-os uns aos outros, num processo dialético constante, mesmo que não seja entendido. Aliás, não acredito, na visão do exposto, que precisemos ser compreendidos socialmente, para que sejamos felizes, ou para que construamos estados de felicidade. Mas devemos saber: ter coragem/arriscar/ser ousado, não implica infringir todas as regras, da mesma forma que não exclui a existência do medo. Todos têm medo, o qual, porém, na relação, precisa ser vencido, para que os objetivos sejam alcançados. Não obstante, a despeito do quanto sejamos audaciosos e arrojados na busca, a razão deve prevalecer, isto é, não devemos tomar decisões sob nenhum tipo de pressão, para que posteriormente não soframos as consequências. Tomar decisões sob pressão, não significa ousadia/coragem/ arriscar, é tolice, demonstração de insegurança, fraqueza.
São José/2001.
Manoel Costa Sobrinho