Donos da Terra e da Lua
Está mais do que provado que é infinita a capacidade do ser humano de se superar em termos de irracionalidade. Como se não bastassem todas as suas ações que desembocam na degradação do próprio planeta em que vive, o que o tornará inóspito para as próximas gerações daqui a bem pouco tempo, ele não pára e quer mais.
Há algum tempo vi a seguinte manchete estampada nos principais sites de notícia do país: “israelenses já compraram 10% do território da Lua”. O conteúdo, tirado de uma reportagem publicada pelo Jerusalem Post, menciona que cerca de dez mil israelenses já compraram lotes de terra na superfície lunar ao preço de 47 euros (mais de 130 reais) por meio hectare (5 mil metros quadrados). Ao todo, ainda de acordo com o jornal israelense, foram adquiridos 10% dos cerca de 40 milhões de km2 da superfície lunar disponíveis para a venda a civis.
Por fim, a matéria ressalta que os compradores israelenses argumentaram que estão adquirindo terrenos para seus netos. Esse tipo de compra se tornou legal em 2000 e cresce a cada ano, fazendo com que o preço dos lotes na Lua suba com o desenvolvimento dos programas espaciais norte-americanos.
Enquanto isso, cá na Terra, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), mais de um bilhão de pessoas no mundo vivem com menos de 1 dólar (pouco mais de 2 reais) por dia; 11 milhões de crianças morrem a cada ano de doenças que poderiam ter sido evitadas (a cada quatro minutos uma criança fica cega por falta de vitamina A e a cada sete segundos uma morre devido à desnutrição); 840 milhões de pessoas vivem com fome crônica (100 mil morrem todos os dias por este motivo) e outro bilhão não tem acesso à água potável.
A irracionalidade não termina aí: os israelenses que querem construir colônias de férias fora da Terra fazem parte do 0,1% da população mundial que possui 54% de toda riqueza produzida no planeta. É realmente impossível alguém ser feliz num mundo com tamanha desigualdade.
Essa discrepância é tão irracional que motivou a produção de um documento da ONU de três mil páginas (encadernadas em 13 livros) – batizado de “Metas do Milênio”. Ele não só assegura ser possível extinguir a miséria no mundo, como aponta as soluções para isso. A primeira delas destaca que se os países ricos cumprissem a promessa de investir 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em ajuda ao desenvolvimento – percentual este definido num acordo firmado em 1970, mais de 500 milhões de pessoas poderiam sair da miséria e dezenas de milhares escapariam da morte já na próxima década. Por exemplo, ações simples como colocar mosquiteiros na cama de crianças bastariam para salvar a vida de milhares delas que vão morrer por causa da malária na África e na Ásia.
Os relatórios da Organização das Nações Unidas informam que apenas cinco dos 22 países mais ricos estão aplicando 0,7% do PIB em ajuda às nações mais pobres: Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Holanda e Suécia. Outros seis – Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Grã-Bretanha e Irlanda – se comprometeram a alcançar esta meta em 2015. Por outro lado, Japão, Estados Unidos e Alemanha estão longe de investir o prometido. Apesar de serem os mais ricos do mundo, os norte-americanos só investem 0,15% de seu PIB em ajuda aos pobres.
Quanto aos países de renda média, como Brasil, China, Malásia, México e África do Sul, a ONU garante que eles têm condições de acabar sozinhos com seus bolsões de miséria e ainda podem ajudar Ásia e África. Por que não acabam? Nós, brasileiros, sabemos muito bem os principais motivos das nossas mazelas sociais...
Tomara não seja tarde demais para entendermos que a miséria alheia em algum momento da vida representará a derrocada de todos. Neste ponto da história riqueza alguma fará a diferença, nem para os que estiverem na Lua.