Futebol, valores e alienação
Antes que algum leitor pense que não adepto do futebol ou que seja um anti-flamenguista, afirmo que gosto deste esporte, sim, e que torço para o Flamengo desde criança. Com estas afirmações posso agora, bem mais à vontade, tecer severas críticas ao que considero o ápice da alienação de uma pessoa em torno de um tema que deveria estar inserido apenas no rol das diversões e entretenimentos.
A torcida organizada do Flamengo lançou recentemente a campanha “Fica, Ronaldo" com o objetivo de arrecadar, ao menos, um milhão de reais para ajudar o rubro-negro carioca a contratar o “Fenômeno”. Antes de entrar no mérito do que considero uma mobilização absurda, vale ressaltar a idiotice criada pela mídia brasileira de designar Ronaldo Nazário com tal alcunha.
Mesmo fora de forma e em recuperação, ele é um excelente jogador, sem dúvida alguma. No entanto está muito longe de ser fenômeno do que quer que seja. Aliás, Ronaldo, assim como diversos outros jogadores brasileiros de futebol que viraram celebridades da noite para o dia, não merece ser um modelo de desportista para as novas gerações. Farrista incorrigível, a ponto de viver metido em escândalos, ele é o verdadeiro exemplo do produto de luxo que a indústria mundial de ídolos cria, a todo momento, para faturar milhões.
Figuras como Pelé, Zico, Ayrton Senna e Oscar (do basquete) estão em extinção. Bem sucedidos em suas carreiras, eles eram exemplos de determinação, hombridade e honra pelo que faziam e por tudo que representavam. As últimas gerações de jogadores de futebol, por mais que tenham conquistado títulos e prestígio profissional, representam a decadência de valores que existiam até o início da década de 1980, quando o amor pelo time do coração ou pela camisa verde-e-amarela valia mais do que os polpudos salários que passaram a ditar as regras.
Voltando à campanha para Ronaldo ficar no Brasil e no Flamengo, seus organizadores querem vender uma camisa por 10 reais para ajudar o clube a contratar o jogador. A pergunta é: quantos torcedores envolvidos com esta iniciativa fariam o mesmo por alguma causa social? Quantos chegaram a doar algum valor para a campanha Criança Esperança, que ajuda a manter diversos projetos sociais em todo o país?
Entre as diversas definições para a palavra “alienação” está a “falta de consciência dos problemas políticos e sociais”. Dizer que o futebol é um importantíssimo veículo educativo de inclusão social, está mais do que certo. Afirmar que ele é uma paixão nacional que nos abre portas e gera dividendos econômicos e culturais para a nação, também concordo plenamente. O que não dá para agüentar é a idolatria e a insanidade, oriundas da valorização excessiva a este esporte.
Se tomarmos por base o orçamento anual somente dos clubes brasileiros da primeira divisão, daria para bancar inúmeros projetos sociais de largo alcance, que vivem a trancos e barrancos ou sequer chegam a sair do papel por falta de recursos financeiros. Para Ronaldo ficar no Flamengo eu não compro nem bala de dez centavos. Ao contrário, sou capaz de adquirir todas as camisas lançadas em prol de uma vida melhor para os que realmente necessitam.