Humor Negro

14/02/02 – Livro: Talibã

Na sexta-feira do carnaval, o professor de matemática - um novato na cidade, desconhecedor dos costumes dos moradores locais, reclamou aos alunos presentes a ausência da metade da classe nas duas últimas aulas.

– “É por causa do Grito,” - disse um aluno - “é que o pessoal daqui gosta tanto de carnaval que, se pudessem, até os mortos sairiam do cemitério para pular.”

Naquela noite, um forte temporal derrubou o muro do cemitério e arrastou vários corpos para a rua. As piadas no final de semana foram inevitáveis e na quarta-feira de cinzas o professor entra na classe, dirige-se compenetradamente aos alunos e diz – ironicamente sério:

– “Meu Deus! Quando vocês me disseram que se os defuntos pudessem sairiam do cemitério no Carnaval, eu pensei que estivessem brincando!...”

Naquela noite caiu um temporal atípico - só comparável ao meado do século, quando ocorria algo parecido devido às curvas naturais que represavam a água das chuvas.

Vários alunos ficaram retidos na escola, no escuro - porque as luzes se apagaram vinte minutos após o término da última aula. Uma hora depois os alunos começaram a dispersar-se, mas a chuva continuou noite adentro. O que se viu na avenida Professor Adhemar Bolina foi impressionante. A água transbordava - a galeria de ribeirão, num rio com histórico de enchentes periódicas, não foi suficiente para a vazão típica desta época. A água represada pelo obstáculo invadiu os córregos afluentes e o que se viu depois foram cenas que se vê normalmente pela televisão em locais geralmente invadidos na periferia dos grandes centros. Salesópolis reviveu momentos desconcertantes para uma geração sem memória vivida que, por isso mesmo, sequer julgava isso possível.

No dia seguinte, as notícias corriam a boca pequena e um fato inusitado chocou os moradores, abalou os sentimentos de parente envolvidos, e a região surpreendeu-se com a notícia veiculada pela mídia como calamidade pública.

O muro da lateral direita do cemitério cedeu e uma média de duas dezenas de túmulos foram desfeitos e os corpos ali sepultados foram parar no leito da rua Campos Salles. Ela foi interditada pelo bombeiros, a defesa civil foi acionada e o governador do estado veio no domingo conferir os estragos e tomar as providências urgentes que a situação exigia.

Este muro foi inaugurado no início do primeiro mandato do Feital e a galeria no final do seu último mandato - no trecho que ficou conhecido como “a avenida que liga nada a lugar nenhum”. O erro na construção do primeiro foi idêntico ao que originou o desmoronamento do muro da rua 15 de novembro com responsabilidade atribuída ao prefeito anterior (Nêgo). O erro na construção da galeria foi resultado, talvez, de decisões de bastidores que geralmente não levam em consideração possibilidades remotas futuras. A margem de segurança é subestimada, assim, em função de outros interesses que explicariam porque uma obra tão cara (um milhão de reais) não encontra justificativa a olho nú. Porém, se no projeto original tinha, ou tivesse, uma ponte como a outra, quinhentos metros acima no mesmo leito - com vazão inferior (dois afluentes a menos), justificaria...

O que se vê, portanto, não é obra da natureza, como se noticia. São obras, na verdade, mal feitas pelo homem. E os vereadores estão aí para mostrar serviço. Ou lavar as mãos...

– ”... o serviço é de primeira, porque entendemos que tudo que é feito com dinheiro público tem que ser bem feito, para não acontecer o que aconteceu.” Palavras do Feital, referindo-se à sua obra de contenção em comparação à do Nêgo - que havia caido. Publicado no “Jornal de Salesópolis – o jornal que veio para ficar” em 25/10/97.

Lourenço Oliveira
Enviado por Lourenço Oliveira em 13/03/2006
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