Idolatria ou estupidez
Às vezes fico pensando nos motivos que levaram Jesus Cristo a não deixar nada escrito de próprio punho. Se houve algum neste sentido talvez tenha sido por receio da manipulação fraudulenta e também da idolatria. Afinal, parece ser da natureza humana a tendência em distorcer fatos e idolatrar coisas e imagens.
Eu acho perfeitamente normal alguém ter pinturas ou esculturas de cunho religioso, desde que se saiba que ali residem apenas simbolismos e manifestações artísticas. O mesmo vale para os que possuem retratos de familiares, amigos ou de outras pessoas queridas. Qualquer um em sã consciência sabe que tais imagens não passam de representações da realidade; uma forma de evocar a memória; de trazer para o plano concreto o que só existe na esfera abstrata.
Há um abismo entre a admiração estética por imagens, objetos e pessoas e a idolatria pelos mesmos. Idolatrar uma imagem, por exemplo, é dotá-la de algo que essencialmente ela não possui. Idolatrar outras pessoas chega a ser até mais grave, já que é o reconhecimento do próprio complexo de inferioridade.
Considero coerente, por exemplo, a devoção espiritual por um santo, tendo a religião católica como referência. Já acreditar que a imagem que o representa tem algum tipo de poder, aí já é entrar no perigoso terreno da idolatria.
Exemplos desse tipo de comportamento não faltam. Há algum tempo saiu em toda a imprensa mundial a notícia de um leilão no qual um anônimo arrematou uma mecha de cabelo de John Lennon por 48 mil dólares (quase 100 mil reais). A mecha pertencia a Betty Glasow, uma cabeleireira dos Beatles que durante anos colecionou objetos relacionados ao grupo. Se ela chegou a cultivar alguma idolatria pela banda inglesa, eu não sei. Mas certamente se tornou uma comerciante muito sagaz, a ponto de farejar esse defeito humano.
Quando surgem notícias de quadros de pintores famosos comprados por milhões, eu considero apenas extravagância de quem compra e uma prova da desigualdade social e econômica existente no mundo. No entanto, é possível se constatar que os compradores normalmente são investidores, na mais requintada forma de capitalismo. Talvez sejam até apreciadores de obras de arte, mas dificilmente têm qualquer idolatria por elas.
O comprador da suposta mecha do cabelo de John Lennon, por sua vez, está no mesmo rol daqueles que arrancavam e guardavam como relíquias os pedaços de grama onde Lennon e os demais Beatles pisaram. Se isso não for estupidez dificilmente algo mais seja.
Triste é saber que a história não pára de registrar tragédias oriundas de idolatrias tão estúpidas quanto essas. Sacrifícios em nome de imagens; mortes decorrentes de paixões doentias por divindades de barro...
Penso que Jesus queria nada mais do que a nossa atenção às verdades espirituais que pregava. Sua proposta, ainda incompreendida pela maioria de seus seguidores, era simples, clara e direta. Dela não fazem parte as conquistas de riquezas e reinos terrenos e os interesses egoístas e mesquinhos que continuam a prevalecer entre as pessoas. Muito menos as idolatrias que desviam e confundem o verdadeiro olhar com os olhos do espírito.